sexta-feira, julho 26, 2013

Rumor Civil. O Leitor no Umbral. [O ornitorrinco. O cavaco. E outras coisas]. E a mestria, o humor, a inteligência (e também outras coisas) de Nuno Brederode Santos.


Cansam-me, que é como quem diz fatigam-me, que é também como quem diz chateiam-me, algumas das crónicas habituais do Expresso. 

Como durante a semana não tenho tempo para ler jornais diários, desforro-me, ao sábado, com o Expresso. Não sei dizer se é uma necessidade se é um hábito. A questão é que posso pôr-lhe defeitos, posso achar que alguns dos cronistas são pouco dotados, pouco perspicazes, seguidistas, ou fúteis, ou que não acrescentam coisa nenhuma que, nem por isso, deixo de o ler. 

Claro que também reconheço alguns cronistas de qualidade e já aqui os tenho referido (por exemplo, o mais recente, o Padre Tolentino de Mendonça, tem sido uma agradável surpresa) - senão seria masoquista, coisa para que não tenho qualquer vocação.

Mas, de cada vez que me esforço por ler o que dizem pessoas como o Ricardo Costa (que já mal consigo ler tal a vacuidade), o Henrique Monteiro, ou outros, recordo com alguma saudade aqueles que, antes, lia sempre com expectativa elevada e nunca defraudada. Um deles era o Nuno Brederode Santos.





Hoje dediquei-me a ler o Rumor Civil da Relógio d'Água, edição já com algum tempo que reúne crónicas desses tempos. 


Uma delícia. Mas uma delícia, senhores. Há lá coisa melhor que a gente ler gente inteligente? 

(Bem, é capaz de haver mais uma ou duas mas que não são para aqui chamadas).

Vou transcrever algumas passagens para que vejam se não é verdade o que digo.

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Antes de começar, Nuno Brederode Santos deixa logo uma Advertência

Do autor ao Editor

"Outrora, os livros eram escritos por homens de letras e lidos pelo público. Hoje em dia, os livros são escritos pelo público e não são lidos por ninguém". 

Oscar Wilde

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Seguidamente, à laia de introdução, as devidas explicações das quais transcrevo pequenos excertos.

O Leitor no Umbral


Eu não sou um analista isento, pela boa e dupla razão de não ser nem analista nem isento. Exibo-o até, às vezes, provocatoriamente; escancaro essa verdade no que escrevo; grito-o com todo o pulmão de que disponho. Não cavo esconderijos nem trincheiras. Disparo de pé, à vista de quem olhar. E duvido que haja leitor a quem tal escape.

Julgo encontrar nesta postura a minha fundamental honestidade.

É mais seguro tê-la assim - cronicando a eito, do caprichoso ao fútil e até ao mais óbvio empenhamento - do que se me armasse em analista.Podia sê-lo? Teria para isso os necessários instrumentos, como a formação, a experiência e a capacidade de violentar as minhas afectividades? Não sei. Mas claro que o podia ser aqui, neste simpático baldio que nós tão ternamente descuramos. 

Por cá é analista quem quer ou como tal se proclama, mesmo não dispondo de nenhum dos instrumentos que citei e que são a caixinha de primeiros socorros de qualquer profissional de tão santo ofício. E, se olharmos em volta, verificamos que, com um punhado de excepções, os analistas políticos não dispõem da caixinha e apenas ocultam que, tal como eu, servem solidariedades. É batota. E é essa a sua fundamental desonestidade.

(...)

(Sobre as suas crónicas) São tiros de espingarda de rolha com guita para puxar. Não fazem estrondo. Não vão além de um rumor civil.

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E, a seguir, vêm então uma série de crónicas, praticamente todas publicadas no Expresso.

Vou limitar-me a transcrever frases soltas. Há tanta matéria interessante, actual, genial, bem humorada, bem escrita que seria impossível reproduzir aqui tudo. Tem que ser assim, em doses curtes, como se fossem uns amuse-bouche, talvez para vos dar vontade de tentarem ainda descobrir a preciosidade que é este livro.


(Sobre o extinto PRD) Não vale a pena fazer partidos para gente boa porque é atrás da gente boa que sempre anda a gente má.

(Sobre o CDS) Traz nas vísceras a ténia paciente que é o PSD (uma ténia que corrói e debilita com lenta persistência, mas que, em caso de morte, se converte num necrófago voraz e fulminante).

(Sobre nada em especial) Se Aristóteles está acima da camada de ozono, pode colocar-se a questão, desde que se ultrapasse um dilema essencial e se vença um labirinto político. Paradoxalmente, o pior labirinto é o mais simples, que é precisamente o dilema.




(Sobre um dos governos de Cavaco Silva) A manter-se tudo isto, não vai lá. Porque o eleitorado é caprichoso, mas de parvo não tem nada. O golpe de rins necessário ao PSD é o de se capacitar que não se fazem governos com técnicos, nem lacaios. (...) Que a demagogia supõe estar a gozar o povo, mas ao fim de pouco tempo é motivo de gozo para o povo. Que, moral à parte, a verdade é uma arma política excelente.

Poderá Cavaco Silva mudar tanto e tão depressa? (...) Porque ele é rápido a aprender, mas na condição de gastarem muito tempo a ensiná-lo.

(...)




Foi fácil tirar o homem de boliqueime, mas agora não conseguem tirar boliqueime do homem.

(...) 

Encaixa com rigor milimétrico num imorredouro retrato traçado por Oscar Wilde: sabe tudo sobre preços e nada sobre valores.

Há políticos europeus que, nos intervalos da governação mal sucedida, são pescadores de álibis.  Mas não conheço nenhum que esgote a governação na pesca de álibis. Cavaco é único: até pode governar sem ministros, mas nunca sem álibis  Ele nunca pode fazer o que quer, nem cumprir o que promete - porque a oposição não deixa, porque a Assembleia não deixa. A organização democrática do Estado é um sabbat demoníaco concebido expressamente para lhe deitar mau olhado e o impedir de governar.

(...)

Cá por mim, o pouco que escrevo sobre Cavaco tem, à míngua de talento, o mérito subjectivo de uma intenção pedagógica.

Só? Não. Há coisas na vida sem preço. Não me venham pedir que banalize em flácidas cortesias civis uma tão estimulante animosidade política.

(...)



(Sobre o ornitorrinco) Tratou a glória por tu. Triunfou mais do que Pompeu. Interpôs-se entre Deus e a Natureza.

Hoje é o último. Resiste ao tempo. E está uma ruína, um destroço, um cavaco.

(...)



Por tosca que seja a sua aparência e pese embora ao mito do berço humilde, o cavaco é oriundo de muito boas famílias. Ele é um Scyllarides Latus (Latreille). (...) O cavaco será tosco ou menos grácil e brioso. Custar-nos-á que não tenha nenhum sentido épico do destino, contentando-se com a duvidosa tentativa de autopertpetuação pela desova grossista. Mas é uma criatura de Deus, um animal do nosso mundo e está em vias de extinção. Os senhores deputados, que já salvaram o lince da Malcata e o lobo ibérico, não poderão fazer nada para salvar o cavaco?

((()))

E por aqui me fico. Custa-me parar porque acho delicioso tudo o que leio. Mas os blogues não são sítios para grandes textos, não é?

((()))

Caso queiram ler sobre um outro espécime de uma raça que parece que agora está a dar, a raça da gente cuja palavra vale menos que zero, é descerem até ao post abaixo. Maria Luís Albuquerque é desmascarada em directo por Clara de Sousa - e fica imperturbável, como se não fosse nada com ela.

A ver se ainda cá volto hoje para vos mostrar o que fiz hoje de tarde.

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