sábado, março 09, 2013

Ser mulher, gostar de ser mulher, gostar de ser tratada como mulher, não aceitar ser menorizada por ser mulher. E algumas mulheres: Graça Morais, Joana Vasconcelos, Bela Silva, Paula Rego, Kate Moss, Pina Baush, Gabriela Montero, Ruth Palmer, Maria Teresa Horta, Maria Bethânia




As Mulheres de Graça Morais


Ontem, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, quando começava o dia, escrevi umas frases vagamente alusivas ao tema. Agora, à hora que escrevo, o dia chegou ao fim e eu, em contra-corrente, em vez de falar das que são espancadas, abusadas, exploradas, quero aqui falar nas mulheres fortes, que se afirmam, que não aceitam a menoridade que apenas na cabeça dos ignorantes existe.

Falo das mulheres que resistem, que lutam, que olham de frente sem acharem que têm que se esforçar mais do que devem, sem aceitarem fazer concessões de qualquer espécie, das que sabem, porque sabem, que são tão válidas como os homens, das que olham de frente e sem medo quem as ameaça ou das que, tendo razão para ter medo, o enfrentam, falam, pedem ajuda, apresentam queixa.

Não haveria, no nosso mundo ocidental, quem as menosprezasse se elas (elas - nós todas mulheres) não o permitissem.



Uma Mulher de Menez


Vergonhas, inibições, medo de censura, tudo coisas que atrapalham os movimentos, que tolhem a vontade, que diminuem a força. E é contra isso que as mulheres, nós todas, temos que lutar.

Ter orgulho em ser mulher: isso é o que é preciso. 


Já aqui o falei muitas vezes. A minha vida profissional tem sido, toda ela, feita num ambiente empresarial, que, pela sua natureza, é tipicamente masculino. Nunca, em momento algum, me senti preterida ou subvalorizada. Sempre vivi, nas empresas, como em todo o lado, de igual para igual. Se tenho que discutir, discuto, se acho que devo ceder, cedo, se me parece oportuno negociar, negoceio, se tenho que exigir, exijo, se devo ouvir, ouço. Sejam com homens, seja com mulheres, sem qualquer diferença.



Mulheres de Joana de Vasconcelos


Decorreu recentemente lá nas empresas uma coisa que se chama avaliação 360º, coisa contra a qual lutei veementemente mas em que, não tendo conseguido levar a minha avante, não tive outro remédio senão participar. Trata-se de cada pessoa se autoavaliar segundo uma grelha, ser avaliada pelos seus superiores hierárquicos, pelos seus subordinados e pelos seus pares, tudo segundo a mesma grelha. Acho isto perverso.  Trata-se de preencher questionários anónimos e eu acho que uma pessoa avaliar os outros a coberto do anonimato é dar cobertura aos cobardes que gostam de ajustar contas pela calada. Há casos sinistros. E geralmente, quando isso acontece, quem é objecto de uma valiação miserável, em vez de achar que tem que melhorar (que é o objectivo disto) fica é furioso, a olhar de lado para toda a gente, tentando descobrir quem o apunhalou pelas costas.

E este método extraordinário aplica-se por igual e segundo igual grelha (umas duas ou três páginas cheias de de questões), desde as posições mais baixas da hierarquia até à administração. Uma coisa que me incomoda mas que, estupidamente, se usa em imensas organizações. Mas adiante.

Fui, portanto, avaliada por toda a gente (da mesma forma que tive que fazer o mesmo). Numa empresa em que as mulheres são uma pequena minoria, devo dizer que tive uma avaliação superior à da média dos meus pares que são quase todos homens (já aqui o disse: num grupo de umas vinte pessoas ligadas à gestão, somos apenas duas mulheres). Ou seja, trabalhando comigo há vários anos, os meus pares reconhecem o meu valor e sabem que o meu valor enquanto profissional é independente do meu sexo.

No entanto, sou muito feminina e gosto muito de ser mulher. Nunca tive que esconder ou minimizar a minha feminilidade, nunca. E eles, subordinados, pares ou chefes homens, reconhecem a minha feminilidade, sem que sintam que isso diminui a minha competência profissional.



Uma Mulher de Bela Silva


E, no entanto, conheço tantas mulheres jovens e ainda tão amedontradas, sentindo-se tão inferiorizadas e achando que, para se afirmarem ou progredirem, terão que cair nas boas graças de algum homem, terão que mostrar a perna, o início dos seios, fazer sorrisos insinuantes. Disparate. Podem até mostrar o que quiserem mas por graça, para seu próprio gozo, por qualquer motivo mas nunca como moeda de troca ou como encoberta promessa. Fazer isso é menorizar-se. 

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E às mulheres que vivem com homens a quem já não amam, o que eu digo é que não o sintam como uma derrota e não receiem 'os outros'. Sopesem as contrariedades, avaliem se as ausências e as renúncias compensam as dificuldades que se seguiriam a uma separação. E, de qualquer forma, nunca aceitem a falta de respeito ou a violência, isso nunca.



Mulheres de Paula Rego


Fazer o que se quer, não virar as costas aos sonhos, não recear a opinião dos outros, não se deixar enredar em pequenas intrigas, pequenos receios, não deixar passar os anos sem viver, não deixar que nos anos que ficam para trás fiquem também as ambições - são conselhos que dou a qualquer mulher.

*

Antes e depois das sessões de fisioterapia em piscina, temos que nos vestir e despir no balneário. Geralmente cada mulher vira-se para o cacifo em que tem o saco com a sua roupa e limpa-se e cobre-se com a sua toalha, tentando vestir-se e despir-se com alguma discrição. Ninguém se põe a olhar para a vizinha do lado e, estando cada uma dobrada e tapada pela toalha, quase consegue encobrir a sua nudez. Uma ou outra lá é mais desinibida mas, ainda assim, com alguma reserva. Se conversamos umas com as outras, geralmente há sempre uma toalha ou uma peça de roupa entre o nosso corpo e o olhar das outras.

Pois bem, esta semana, chegou, de novo, uma mulher jovem. Despiu-se com grande descontração, foi nua e sem toalha para o duche e de lá saíu também assim. Depois limpou-se mas, enquanto o fazia, ia conversando e, enquanto arranjava a roupa para se vestir, estava a meio do balneário, não virada para os cacifos mas de frente, nua, conversando connosco de forma que tínhamos que a olhar. Tinha o cabelo apanhado, seios bem definidos, um fiozinho colorido em volta da fina cintura, a zona pélvica depilada apenas com uma pequena tira ao alto de pêlos púbicos aparados.



Kate Moss, uma Mulher dona de si própria


Toda a figura era curiosa, até pelo seu rosto. Tivesse eu ali a minha máquina, ter-lhe-ia pedido que me deixasse fotografá-la. O que eu gostei de ver o seu total à vontade com o seu corpo...!

Depois encontrei-a no ginásio com uma fisoterapeuta que a punha a fazer posições do além, quase contorsões. Via que tinha dores mas não se eximiu ao esforço e, apesar das dificuldades, ria e, numa altura, fez uns passos de uma incrível leveza, parecia que dançava. Percebi que devia ser bailarina. E é, com certeza, uma mulher livre.





Poderia continuar a falar de mim (e falo não por me considerar um grande exemplo mas porque é o exemplo que melhor conheço), poderia falar de outras mulheres, de políticas, de resistentes, poderia falar das mulheres artistas de que acima mostrei obras, poderia falar das mulheres que abaixo interpretam músicas, poderia falar das mulheres que têm uma estreita relação com as palavras e disso fizeram a sua afirmação profissional e pessoal, poderia falar de tantos e tantos e tantos casos: mulheres que sabem que não são inferiores pelo que jamais aceitariam ser vítimas de inferiorização.





E que cada mulher afirme a sua vontade, tome o destino em suas mãos, não espere, vá, não se lamente, avance. Seja em que situação for.


O homem que percorro
com as mãos
e a lua que concebo
na altitude
do tédio
o oceano
penso paralelo — ventre
à praia intata
das janelas brancas
com silêncio
ciclamens-astros
entre
as vozes que calaram
para sempre
o verbo — bússola
com raiz — grito de relevo
O homem que percorro
com as mãos
a estátua que consinto
a lua que concebo.


[Poema Antigo de Maria Teresa Horta]




*

Apetecia-me continuar aqui, estaria de gosto, mas há que haver algum comedimento, não é...?


*

A todos os meus leitores desejo um bom sábado. 
Agora troveja forte e feio, chove, está uma noite de assombros e eu gosto de noites assim. 
Se o dia estiver na mesma vai estar um belo dia para ficar no aconchego e nas leituras. 
Que, para Vós, seja um dia muito feliz.


5 comentários:

  1. Discorrer, n’um jeito muito manso, por cores, nomes, signos, só agora prazerosamente lidos, que a semana desta Ana - nome herdado de várias mulheres da família, maioritariamente ‘caranguejas’, maternais, afectivas, generosas - não se compadeceu e tempo não sobrou para divagações lúdicas – talvez porque, traiçoeira, pertença a outro signo, que também não cumpre pois, sobre todas, ama (quase) todas as gamas de azuis e de verdes, e que nem se concebe com outro nome. Os dias de aniversário, de familiares, de amigos, de conhecidos, os únicos a que dá toda a atenção, não deixando, contudo, de sempre reflectir sobre a génese de alguns, como é o caso do ‘dia da mulher’ e aqui, citando de cor Ana Hatherly, de há muito interiorizou que «A gente só é dominada por essa gente quando não sabe que é gente».

    Fim-de- semana pleno, UJM.

    AdeSá

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  2. Minha Amiga UJM, deixa-me acrescentar dois nomes grandes de mulheres à lista com que inicias o post: Um Jeito Manso e Helena Barbara.
    Conheço muitas outras, felizmente para mim e para elas, que o sabem ser.
    E ser-se Mulher, apesar de parecer, não é mais difícil, que ser-se Homem. Ambas as afirmações de género, exigem carácter, determinação e sentido de identidade. Mas, o facto é que o "ser-se", não se encerra no género, não. O "ser-se", estende-se até à completude de si mesmo e da sua metafísica. Um caminho que a Humanidade percorre desde o início dos tempos e que, creio, nunca se esgotará.
    E para não estender de mais este comentário, termino dizendo que adoro o desprendimento e naturalidade de Maria Teresa Horta; a paz, a sabedoria, a simpatia e o saber dizer de Maria Bethânia; pedir desculpa a Paula Rego e a Graça Morais pela minha insuficiência de capacidade para compreender os suas pinturas (conheces um quadro de Graça Morais com o título "Sofia e o Anjo? Já passei horas (somando todas as parcelas de tempo) a olhar para ele e... nada, nem um arrepiozito), a Helena Sacadura Cabral, sobretudo pela sua forma afirmativa e descontraída de estar no mundo e a uma ilustre desconhecida, amante do mar, do vento, do sol e do sonho, que me enche diáriamente de prazer ao ler os seus escritos. A mim a um extenso grupo de admiradores.
    Obrigado, bela carangueja!
    ;)

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  3. Li o post todo !
    Há aqui uma falha, falar sobre a "real" mulher portuguesa, não estas ilustres mas a que mecanicamente se levanta todos os dias, e enfrenta os transportes públicos, ou pega no carro e percorre os muitos km, o que por si só já é uma batalha ganha, até chegar ao local de trabalho.

    No meu local de trabalho há muitas mais mulheres que homens e até nos lugares de chefia. Jovens mulheres a maior parte com formação, que se vêm obrigadas a fazer um trabalho adverso à sua feminilidade ou porque foram mães cedo, ou porque deram um passo no vazio e compraram uma casa que não querem perder ou porque o companheiro está desempregado.

    Na minha cidade, este mulherio e mais as mães delas, andaram num reboliço nos últimos 15 dias, a preparar o "jantar fora" com strep teese incluído, AFINAL O DIA DA MULHER É UMA VEZ NO ANO 8 DE MARÇO.


    Abraço e BfdS

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  4. Não sei se vem a propósito, mas sempre arrisco, deixar o link:

    http://bonstemposhein-jrd.blogspot.dk/2011/08/copenhaga-afternoon.html

    E evidente que fora do contexto o poste é muito redutor, mas como penso que já percebeu, a minha admiração pelas mulheres é de uma abrangência total.

    Um abraço

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  5. Gostei muito do post, que fala de mulheres que admiro. Não conhecia Bela Silva, mas já estive a ver um pequeno video sobre ela.

    Estamos sempre a aprender!
    Um beijinho e bom domingo

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