quinta-feira, março 21, 2013

O que é a felicidade? (perguntas sem resposta sobre 'o meu caso' no dia a seguir ao Dia da Felicidade e um poema a propósito de Maria Teresa Horta no Dia da Poesia)





Ontem começou a Primavera e eu estava distraída. Tinha para mim que a Primavera começava a 21. Ou andava distraída ou isto mudou. Não interessa, o que interessa é que já estamos na Primavera e que o sol vem aí.  Tempo, pois, de desentristecer.

Foi também o primeiro Dia da Felicidade. Já disse aqui muitas vezes: não vou nessa dos dias de. Parece coisa artificial, motivo para estimular o comércio quando passa a época dos saldos: dia da Mulher, dia do Pai, dia dos Namorados. 

No entanto, de quando em vez lá abro uma excepção para deixar uma referência, quase que desculpando-me por ceder à agenda e alinhar com a maioria que tece loas ao dia de.

Mas hoje é diferente. Tantas vezes já aqui falei de felicidade e tantas vezes já vos desejei dias felizes que pareceria acto de serôdia rebeldia não falar aqui hoje disso.



Quando for grande quero ser feliz - Pintura numa rua da Covilhã

Eu também: quero ser feliz amanhã, depois de amanhã e todos os dias que vierem 


Poderia falar em abstracto, teorizar sobre o conceito, mas estou a escrever à pressa, não tenho tempo para abstracções. Por isso, se me permitem, falarei de mim. Não o faço por narcisismo mas porque é o caso que conheço de mais perto. Na escola de gestão AESE usa-se o chamado 'método do caso', ou seja, parte-se de um caso para se perceber o que está bem, o que está mal. Por isso, façam de conta que vou usar o método do caso, sendo que o case study aqui sou eu.

Quem aqui me costuma acompanhar sabe que não sou do género de felicidade instantânaea. Nunca envio power points com fotografias inspiradoras e frases irrefutáveis, céuzinhos muito azulinhos, florzinhas aos cachos, estrelinhas quando a noite cai, pensamentos a fazer de conta que são profundos, anjinhos pendurados ou esvoaçantes (e não é que não goste de cada uma das coisas de per se mas, tudo junto, fica uma coisa que me parece infantil, naïf, se não mesmo pirosa – e que não me levem a mal os que apreciam o estilo (gostos não se discutem, não é?)).  Nem sou de livros de auto-ajuda, não tenho nenhum, se vejo uma senhora radiosa sobre fundo azulinho a dizer coisas como Como ser feliz em três tempos, passo à frente a grande velocidade. Nada disso faz o meu género.

Também não sou o oposto disto - pensamentos profundos, alta erudição, decomposição do conceito em parcelas de modo a que nenhuma faça já sentido, ou amargura, desconfiança acerca de quem quer que seja que tenha um ar bem disposto, achando que todo o riso é postiço ou pouco inteligente ou pouco exigente. Não sou nada disso.

Para mim, deve agir-se perante a felicidade como se age em relação a alguma coisa de que se gosta mesmo que, na altura, pensemos que não precisamos dela. Pensemos assim, não preciso agora mas um dia vou precisar. Eu, portanto, o que faço é que, se gosto, mesmo que não ande à procura naquele momento, tento agarrá-la. Consumismo? Não. Pragmatismo. Sei que me vai ser útil, sei que gosto e que, um dia, vou dar graças por não ter deixado passar a ocasião.

É que o oposto disso é o que acontece com mais frequência. Uma coisa assim como quando queremos uma coisa supostamente normal mas que, quando se precisa, nunca há. Acontece isso quando o meu marido quer comprar umas calças cinzentas escuras do mais comum possível, daquelas que, por exemplo, se usam com blaser azul escuro. Ou não há no número dele, ou o tecido faz risquinhas ou tem brilho ou tem uma textura esquisita, ou têm pinças, ou têm uns pespontos estranhos. Normais, nada. Corremos tudo e não há.



Casa de pedra na encosta da Serra da Estrela, na descida para Manteigas

Uma beleza muito pura, uma paz absoluta


Quer-se uma coisa, parece uma coisa normal, e não a encontramos. 

Por isso, eu jogo por antecipação. Por exemplo, pelo natal ou pelos anos da minha filha, muitas vezes ofereço-lhe coisas para as quais ela fica a olhar de lado. Um casaquinho com brilhantes, uma blusinha extravagante, um cinto imprevisto, coisas assim. Mas eu sei que em algum momento ela vai gostar de se ver com aquilo. E assim é. Por vezes precisa de toilettes e lá está tudo à espera dela, mesmo a propósito, mesmo a calhar, faz um vistão.

Conversa fútil? Talvez. Mas é um modo de estar na vida. É que sou assim com tudo na vida.

Sem carga do passado, sem preconceitos, toda eu disponível  para o que aparecer. Claro que, nisto, nunca há ‘nada’ ou ‘tudo’. Claro que há sempre um pouco de passado ou de preconceito – mas, em mim, são mínimos. Não me interessa o passado, não me agarro a ele. Nem me interessam as restrições, os medos, as vergonhas. Sou quase como uma criança, sempre disponível para aceitar o que o acaso me vai colocando pela frente. Por isso, me encanto com tudo como se fosse a primeira vez, por isso agarro as inesperadas oportunidades.



A beleza da Serra da Estrela, a pureza da neve, a pureza do ar, a leveza da neve sobre a robustez do granito,
 um lago muito suave



Também não tento controlar as reacções dos outros, não me prendo com a maneira de ser dos que me rodeiam, que sejam como são (desde que não chateiem), não ando a controlar os actos alheios, não gosto de me maçar com aquilo que não controlo.

Tenho colegas que vivem obcecados com o ‘que se passa’, com o que os outros dizem ou fazem ou com o que vai acontecer ou com o que acontece aos outros. Eu não. Nada.

No grupo onde trabalho somos avaliados uma vez por ano. Pois até hoje nunca soube, nem nunca quis saber, quanto é que os outros tiveram na sua avaliação. Estou-me nas tintas. Procurar arrelias? Nem pensar! Em contrapartida, vejo colegas atormentados, sentindo-se injustiçados por saberem que fulano ou sicrano, que acham que não merece, teve uma pontuação superior à deles. Detesto essas conversas por mil razões (e até porque, assim, sem querer, sempre vou ficando a saber uma ou outra pontuação, coisa que prefiro nunca saber). Uma vez um colega meu desfez-se em lágrimas por ter sabido que tinha tido a avaliação mais baixa de todo o grupo de gestão. Um homem do mais bem disposto que há, folgazão, namoradeiro, bon vivant e em lágrimas por não perceber como o tinham avaliado pior que a um outro colega nosso que ele achava um zero à esquerda. Não estou a inventar, juro. Isto aconteceu mesmo no silêncio do gabinete dele, comigo especada à sua frente sem saber o que lhe dizer. Achava aquela conversa e aquela reacção disparatadas, escusadas, ridículas.



Numa Igreja em Manteigas, vitral com varanda de madeira à frente

A paz do recolhimento, a luz, a cor, a imagem sacra, o silêncio


Eu não me comparo com os outros, fico contente com o que tenho. Já sou avaliada há anos e garanto-vos que é coisa que não me aquece nem arrefece. Ou seja, fico na boa. Sem ter termo de comparação, admito que tive a avaliação justa.

Também aqui na blogosfera dou por vezes com situações que me parecem completamente descabeladas: há pessoas que escrevem comentários desagradabilíssimos ou posts agressivos ou de censura para com outras pessoas. Eu própria já fui vítima disso. Não compreendo. O que leva uma pessoa a armar-se em censora e resolver incomodar os outros que estão quietos no seu canto? Ou o que leva alguns bloggers a armarem-se em arautos da moral e dos bons costumes? Dou um exemplo: o que leva alguns a desencadearem verdadeiras ofensivas, invectivando quem resolve escrever de forma anónima ou sob pseudónimo?  Que diferença lhes faz? Certamente, a seu tempo, teriam sido censores de Fernando Pessoa ou de Rómulo de Carvalho ou de Adolfo Rocha.

Pessoas assim, que implicam com os outros, que embirram por dá cá aquela palha, que transformam os outros em adversários, são pessoas que causam mau ambiente à sua volta, pessoas quezilentas que desperdiçam o seu tempo com irrelevâncias, geralmente pessoas mesquinhas, incapazes de ser felizes. 



Árvores ao longe, ao entardecer, a serra ao fundo - na Covilhã

Uma beleza suave, etérea, quase a invenção de um pintor


Claro que o que estou a dizer não é extrapolável para os domínios da indignação ou do exercício da cidadania responsável. Se acho que o meu país está a ser governado por gente incapaz, por gente que nos anda a dar cabo da vida, aí protesto e protesto veementemente. Mas faço-o justamente porque acho que eu e todos os meus concidadãos temos direito a uma vida feliz e digna e, para defender isso, lutarei como souber e puder sem que nada me detenha.

Mas, de resto, deixo encantar-me por coisas simples. Uma palavra simpática, um sorriso, um gesto. A beleza do sorriso das crianças. A beleza das flores, dos livros, da música, de uma boa comida, de um bom vinho, de uma bela paisagem. Agarro as pequenas coisas que me aparecem mesmo quando as não espero. Não complico. Gosto de ver os outros felizes. Sinto-me bem junto de quem está bem.

E não me preocupo antes de tempo. Não faço dramas. E, se à minha volta tenho gente cheia de medo do que vai acontecer, pergunto: 'o que é o pior que pode acontecer?'. Depois de pensar, geralmente chega-se à conclusão que o pior que pode acontecer é uma coisa de nada. Rimo-nos e descontraímos.

Não sei definir o que é a felicidade mas sei o que é sentir-me feliz. Se a cada momento que estou feliz tivesse que dizer a razão de ser desse meu estado, sentir-me-ia talvez ridícula porque os motivos são, a maior parte das vezes, insignificantes. Mas é na ausência de significado que tantas vezes reside a poesia da vida, não é?



........

As fotografias que escolhi mostram instantes que achei belos e durante os quais me senti feliz.

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E, porque hoje é Dia da Poesia (...mais um dia de...), eis a Felicidade segundo Maria Teresa Horta:



Retomo estes anos
nos teus braços
diariamente calma e segura

os dias caminhando passo a passo
prendem-me aos teus braços
com ternura

E o prazer mais louco
de te ter
aquele mais sedento de ser tua

Dos beijos que me deixas
num doer
e devagar no corpo se insinuam


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FELICIDADE! Tudo aquilo que espalhámos
que vemos, que sentimos à nossa volta.
Coisas, objectos, sinais do que somos,
do que fomos, do que vivemos
do que queremos ter perante nós.
Testemunhos inertes de nós mesmos,
dos lugares que visitámos no tempo.
Rostos, rastos, restos, rumores
que queremos guardar
nossa memória visível,
no espaço que, dia a dia,
peça a peça, vamos construindo.
O nosso canto, o nosso muro,
a elaboração paciente de nós mesmos,
onde diariamente nos revemos,
onde sempre somos vida e morte
fonte inesgotável do nosso continuar.



[Joaquim Castilho]


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Continuo sem conseguir tempo para responder aos comentários e aos mails. Só consegui sentar-me aqui já passava das onze da noite e, com isto de escolher fotografias, reduzi-las, etc, e de conseguir desencantar músicas compatíveis com o blogue (cada vez mais, as que escolho só estão disponíveis para serem ouvidas no youtube), perco um tempo infinito. Também não consegui tempo para colocar nada no meu Ginjal. Já é tardíssimo e há pouco, ao dar uma volta pela internet para saber das novidades, li que que dormir menos que o necessário faz um mal danado à saúde, retira anos de vida e torna as pessoas mais propensas a ataques cardíacos. Razão tem a minha filha que me diz que passe a ser mais bissexta, isto é que não faça tudo o que faço todos os dias. Se calhar, vou mesmo ter que optar, ou deixar de responder aos comentários, ou um dia responder aos comentários e não fazer mais nada e no outro escrever aqui, e noutro dia diferente no Ginjal. Com muita pena minha, tenho que pensar nisso. 

Outra das coisas é escrever menos... Ponho-me a escrever e saem-me estes testamentos, credo. Não hei-de acabar de manhã?! Além disso, este já é o segundo post. Aqui abaixo poderão ver a 'reportagem' do percurso descendente das minhas férias gigantes.

.....

E, por hoje, nada mais a não ser desejar-vos uma bela quinta feira e que sejam muito felizes; ou melhor, que sintam, muitas vezes pequenos instantes de felicidade e que procurem a poesia que há à vossa volta.


7 comentários:

  1. Antes de mais: não se preocupe connosco, seus leitores. Se nos responde, ou não, não é problema. O importante é – na medida do possível, naturalmente – manter este seu tão agradável Blogue.
    Descanse, se calhar. Torne-o menos diário, fique com algum tempo para si. Nós, seus leitores, porque gostamos de a ler, não somos egoístas e aceitamos na maior que passe a ter mais tempo para si.
    E durma, claro! Não deixe de vir a ter uns anos de vida a menos por causa de nós! E conte connosco, sempre.
    Quanto ao que escreve no Post, não podia estar mais de acordo. Viva-se a vida sem stress, sem agressões e antipatias, com a calma possível, gozem-se os momentos, os amigos, os nossos mais próximos e despreze-se quem só nos chateia.
    Um avô nosso, dizia-nos, mais ou menos isto: “desfrutem bem e com bonomia essa vossa vida, pois um dia, quando derem conta, já passaram setentas e tais anos” (os que na altura ele tinha) “e se não a gozaram como devia ser, já é tarde”. E acrescentava que “é pelos amigos e amizades que vamos tendo ao fim destes anos de vida e do carinho dos mais próximos que se pode avaliar se a nossa vivência afinal foi ou não uma coisa boa. Quem fica só, quem não possui amigos ou não tem o carinho dos tais mais próximos é porque foi amargo para com quem conviveu e para com a vida!” Ora nem mais!
    Cara UJM, você é uma pessoa encantadora, permita-me este elogio.
    Eu hoje, cada vez mais levo a vida na boa! Mesmo com restrições devidas à crise. Eu quero é gozar cada momento, ser, na medida do possível, feliz e o menos infeliz possível! E voilá! Receita para chegar a velho com alguma sobra de saúde!
    P.Rufino

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  2. JOAQUIM CASTILHOmarço 21, 2013

    Olá UJM!

    Um comentário ao seu "post" no Dia da Poesia!

    FELICIDADE! Tudo aquilo que espalhámos
    que vemos, que sentimos á nossa volta.
    Coisas, objectos, sinais do que somos,
    do que fomos, do que vivemos
    do que queremos ter perante nós.
    Testemunhos inertes de nós mesmos,
    dos lugares que visitámos no tempo.
    Rostos, rastos, restos, rumores
    que queremos guardar
    nossa memória visível,
    no espaço que, dia a dia,
    peça a peça, vamos construindo.
    O nosso canto, o nosso muro,
    a elaboração paciente de nós mesmos,
    onde diáriamente nos revemos,
    onde sempre somos vida e morte
    fonte inesgotável do nosso continuar.

    um abraço



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  3. E que belas ferias, na Serra Encantada, minha amiga Uzinha.
    Visitas-te Loriga? Foi lá que nasceu Viriato, o pastor-guerreiro que defendeu a Lusitânia do invasor Romano.
    De vez em quando também me perco por esses montes, subo a esses penedos e inebrio-me desse ar e de toda a vastidão.
    Tenho casa perto de Seia, mas habitualmente hospedo-me no Fundão, no Alambique e daí percorro sem destino as estradas da Serra.
    À noite, podemos ver o sete-estrelo de uma forma impossível de ver noutro local.
    Magia!
    ;)

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  4. O "dia da felicidade" é só de alguns e não é só um dia, são todos...
    :(

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  5. Olá,

    É ridículo desejar um bom dia de... a uma pessoa que ama as árvores e a poesia, ainda assim não resisto!

    Calculei que iria passar por CB e já li o seu post.
    Não vou comentar, como desejaria, pois tenho a minha mãe doente, de cama desde segunda feira, com tosse mas sem febre.
    Só que ontem à tardinha a febre subiu e tive uma noite complicada, e hoje o dia não está fácil, nem para poesias nem para florestas...

    Conto enviar um mail no fds, se tudo correr bem.

    Já agora:

    BOM DIA DA ÁGUA PARA AMANHÃ!!!
    LOL

    bj

    Antonieta

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  6. Que a felicidade e a poesia sejam contagiantes e que todos nos sintamos e tentemos ser felizes partilhado da felicidade dos outros!
    Adorei as fotos. Lindíssimas.
    Um beijinho.

    p.s. Permito-me desejar as rápidas melhores da Mãe da sua Leitora Antonieta, com um forte abraço para ambas.

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  7. Queria dizer: "partilhando da felicidade dos outros"!...
    Ás duas da manhã, já trocamos os dedos e os olhos...é o que se vê!
    Um beijinho

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