sábado, janeiro 05, 2013

O que é a inteligência? Sabe-se agora que o QI é muito enganador, é um indicador com falhas básicas. E, ainda, a inteligência emocional, sem a qual um génio erudito não passará de um pobre infeliz. E, de passagem, confesso algumas das minhas limitações.



O que é a inteligência? 




Debato-me frequentemente com essa dúvida quando vejo pessoas que tenho por inteligentes a fazerem coisas completamente estúpidas. Em contrapartida, surpreendo-me com as opções acertadas de pessoas que tenho por, de certa forma, intelectualmente limitadas.

Em relação a mim própria tenho dúvidas. Ponham-me à frente aqueles testes irritantes com progressões de triângulos, rectângulos, bolinhas meias pintadas para ver o que se segue, e acerto as que calharem pois não tenho paciência nenhuma para aquilo, a partir de certo ponto já respondo ao acaso, absolutamente ao acaso. 



Este é de caras...



Mas este já é daqueles que começa a chatear...


E, no entanto, deve haver quem consiga concentrar-se a tentar decifrar aquela parvoíce toda e responda acertadamente. Ora eu acho que só um totó é que desbarata o seu precioso tempo com uma palermice que não interessa ao menino jesus. Acho eu, pois com certeza os testes de QI declararão esse totó muito mais inteligente que eu - e não digo que não seja.

Um outro aspecto que, fosse eu moça para isso, me deixaria inferiorizada é a minha quase incapacidade de, a meio de conversas, fazer citações de cor, referir em catadupa nomes de livros e autores, invocar personagens literárias ou cinéfilas pelo nome, coisas do género. E, no entanto, até tenho uma memória razoável e até sei umas coisas, só que, estando a conversar, numa boa, elas não me aparecem com precisão académica, assim do nada (além disso, também tenho algum pudor, receio parecer que estou a armar ao pingarelho). Mas já, se estiver a escrever, as ideias fluem a bom ritmo e, se me falha algum pormenor, facilmente o repesco com a ajuda do Google. 

Mas tenho amigos e colegas que, a conversar, parecem enciclopédias falantes. Serão eles muito mais inteligentes ou intelectualmente aptos do que eu? Se calhar são.



Atenção que isto é conversa do Oscar Wilde, não minha...


Em contrapartida, o que dizer de pessoas que parecem inteligentes, umas sabichonas emproadas, transpirando semântica e erudição em geral por tudo o que é poro, e que, afinal, têm uma vida cinzenta, apagada, amargurada, ou seja, pessoas que, aparentemente, não têm a inteligência suficiente para gerir a sua própria vida?



Atenção que isto também não é coisa minha, é do Schopenhauer....
Eu não tenho nada contra gente erudita.


&

Parte da resposta a estas questões pode ser vista num estudo publicado há poucos dias na revista Neuron, Fractionating Human Intelligence, da autoria de Adam Hampshire, Roger R. Highfield, Beth L. Parkin, Adrian M. Owen e de que o site Ciência Hoje dá conta.

A investigação baseou-se num estudo de campo sobre mais 100 mil participantes de todo o mundo que foram submetidos a testes de memória, raciocínio, atenção e capacidade de planeamento. 

Este estudo revelou que a inteligência é, de facto, muito mais do que o que se consegue medir através de um indicador tal como o QI, o coeficiente de inteligência, coeficiente este que se costuma medir, justamente através de baterias de testes nos quais se incluem as acima referidas sequências e charadas. 

O que este trabalho nos diz é que a inteligência deve ser analisada, pelo menos, em três componentes distintos, a memória de curto prazo, o raciocínio e a habilidade verbal. 



As cores com que o nosso cérebro se ilumina


A cada um destes aspectos correspondem circuitos distintos no cérebro que foram mapeados e identificados através de scanners cerebrais.

Ou seja, o estudo deixa claro que medir a inteligência unicamente segundo um dos aspectos ou através dos testes que conduzem à obtenção do QI é totalmente errado.

Com um número tão extenso de participantes no estudo foi também possível relacionar as respostas com idade, estado físico, hábitos, etc. as conclusões retiradas são inúmeras. Por exemplo, Hampshire diz que os fumadores têm um desempenho reduzido a nível de memória de curto prazo e de habilidade verbal enquanto as pessoas que sofrem frequentemente de ansiedade têm dificuldades a nível de memória de curto prazo.  

A estes aspectos deve ainda acrescer o aspecto do lado emocional do comportamento ou seja, aquilo a que se chama inteligência emocional e que é tão determinante como a inteligência dita racional.




Transcrevo da wikipedia uma possível definição de inteligência emocional: "...a capacidade de perceber e exprimir a emoção, assimilá-la ao pensamento, compreender e raciocinar com ela, e saber regulá-la em si próprio e nos outros." (Salovey & Mayer, 2000).

Daniel Goleman um dos mais conhecidos especialistas em inteligência emocional diz que para ele, a inteligência emocional é a maior responsável pelo sucesso ou insucesso dos indivíduos. Como exemplo, recorda que a maioria das situações de trabalho é envolvida por relacionamentos entre as pessoas e, desse modo, pessoas com qualidades de relacionamento humano, como afabilidade, compreensão e gentileza têm mais chances de obter o sucesso.

Segundo ele, a inteligência emocional pode ser categorizada em cinco capacidades:


  • Auto-Conhecimento Emocional - reconhecer as próprias emoções e sentimentos quando ocorrem;
  • Controle Emocional - lidar com os próprios sentimentos, adequando-os a cada situação vivida;
  • Auto-Motivação - dirigir as emoções a serviço de um objectivo ou realização pessoal;
  • Reconhecimento de emoções em outras pessoas - reconhecer emoções no outro e empatia de sentimentos; e
  • Habilidade em relacionamentos inter-pessoais - interacção com outros indivíduos utilizando competências sociais.

As três primeiras são habilidades intra-pessoais e as duas últimas, inter-pessoais.



Coloco esta imagem embora saibamos agora, preto no branco,
 que o  lado racional não se mede apenas pelo QI
(ou IQ, consoante seja em português ou inglês)


Ou seja, a falta de inteligência emocional explica porque, por exemplo, pessoas com boa memória, bom raciocínio e boas capacidades de exposição sejam depois umas inaptas na sua vida pessoal ou social. 

Quantas pessoas não conhecemos que, tendo tudo para ter uma vida bem sucedida, por incapacidade de compreensão dos outros, ou por incapacidade de controlo das suas próprias emoções, tomam atitudes precipitadas, desajustadas e, com isso, condicionam gravemente a sua vida?

Ou seja, para resumir, ou melhor, para atalhar - porque não sou especialista na matéria nem estou aqui para dar lições a ninguém, muito menos do que sei apenas pela rama - o que me parece importante é que tenhamos noção da diversidade dos aspectos intrínsecos que influenciam o comportamento das pessoas, não subestimando levianamente os outros, dando a cada uma a possibilidade de se valorizar naquilo em que é melhor e compreendendo o que as leva a não serem tão boas noutros aspectos, se possível ajudando-as a compreenderem os seus pontos fracos e a aproveitarem bem os seus pontos fortes.

A vida é plural e o nosso cérebro também. E, no fim de tudo, o que interessa é que, com mais ou menos limitações, nos sintamos felizes e façamos felizes os que estão à nossa volta.

(Conversa da treta?! Talvez. Ou então sou eu que sou pouco inteligente...)



Mas, se assim for,  isso não me tira a boa disposição e, para mim, está bem assim.

*

Se não for pedir de mais, gostaria ainda de vos convidar a irem até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje a minha voz atravessa o silêncio junto às palavras de Herberto Helder. A música é mais um momento feliz, Jorge Palma com Cristina Branco, num arranjo do maestro Rui Massena. Uma maravilha, verão.

*

E, por hoje, é isto. Tenham, por favor, um belíssimo sábado, está bem?

6 comentários:

  1. Comigo passa-se o mesmo. Refiro-me aquele seu magnífico parágrafo: “...a minha quase incapacidade, a meio de conversas, de fazer citações de cor, referir em catadupa nomes de livros e autores, invocar personagens...etc, etc...Mas se já estiver a escrever, as ideias fluem a bom ritmo.” Nem mais!
    E sinceramente, sinto alguma irritação pelos que se julgam, ou gostam de se mostar “enciclopédias ambulantes”, num janatr, numa conversa, num encontro, etc.
    Ao longo da vida fui acumulando, tal como tantos outros e outras, informação diversa de carácter cultural ou outra até. Mas, normalmente, vem-me á memória em momentos mais calmos, quando escrevo, na viatura, a passear, etc. Ou seja, quando ninguém me está a ouvir. E ainda bem!
    Quanto á minha “inteligência”, sinceramente, para além de nunca ter feito qualquer teste, nem ter paciência para tal, não estou assim lá muito preocupado. Afinal de contas, consigo compreender bem o que leio, aprendo facilmente, sempre com uma certa dose de humildade pois quanto mais se sabe, também sabemos que há muito mais a aprender e a conhecer, lá vou andando nesta vida, quer profissional, quer pessoal e não tenho tido, digamos, azares devido á minha incapacidade para perceber as coisas, mas quando tal me sucedeu, ter um azar qulaquer, sei bem identificar as causas. E aprender com elas. Não pretendendo ser um Einstein, sou feliz com a minha capacidade cognitiva e o meu QI.
    Bom fim de semana!
    P.Rufino
    PS: ainda a propósito do Vinho, há uma revista, talvez conheça, Wine-Essência do Vinho, que é excelente. Costumo comprá-la, pois tem muita e interessante informação (até didáctica) sobre o Grande Néctar. Ali li em tempos, e aprendi, escrito pelo excelente escanção português João Pires, Master Sommelier, e um dos melhores do mundo, a trabalhar em Londres, que um bom vinho velho em princípio não se deve colocar num Decanter, em virtude de poder vir a perder a sua “força”, visto ser um vinho já com “debilitações” próprias d idade. Os Decanters seriam pois para outros vinhos mais “jovens”, ou menos “idosos”.
    O vinho e as pessoas, alguma semelhança?

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  2. Muito interessante o seu texto´. Também me surpreendo às vezes com coisas que fazem ou dizem pessoas que eu acho muito inteligentes.
    Todos temos as nossas capacidades e na verdade não devemos desvalorizar ninguém.
    O meio em que crescemos também é muito importante para o desenvolvimento das nossas capacidades.
    Este é um assunto muito interessante.

    Um beijinho e bom domingo

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  3. Olá P. Rufino,

    O nosso cérebro é um poço de mistérios. Desconhecemo-nos.

    Volta e meia sinto-me burra mas depois percebo que, mesmo que seja, isso não me impede de fazer a minha vida e de me sentir bem assim.

    Mas em testes daqueles horríveis chumbaria sem apelo nem agravo se me submetessem a isso e, quando alguns desatam a desfiar citações ou a mostrar que sabem tudo de tudo, eu apetece-me cair quase num mutismo. Esses não são campeonatos para mim.

    Também sobre a inteligência lembro-me sempre de um presidente que lá esteve e com quem eu me dava muito bem. Eu estava a comentar coisas de um outro administrador que era ignorante, completamente ignorante, parvo, parvalhão, oportunista, burro e eu perguntava: 'como é possível um sujeito assim ter chegado onde chegou?'

    E o presidente respondeu: 'olhe que não é tão burro assim. Para chegar onde chegou, é porque é inteligente. É uma inteligência diferente da sua, mas é inteligência. Você usa a sua inteligência de uma maneira e ele usa a dele para chegar onde chegou e para se aguentar.'

    E tenho percebido que isto é verdade pois exemplos destes tenho-os visto repetidamente ao longo da minha vida.

    Conheço essa revista mas não a compro com frequência. Não sabia dessa recomendação e vou tê-la em atenção. Faz sentido. Um vinho velho tem que ter descanso, um mínimo de movimentações - de facto, como as pessoas. O meu marido costuma dizer que não quer estar a movimentar muito o vinho mas eu acho que é por preguiça ou desabituação que, cá em casa, geralmente, se serve o vinho da garrafa.

    Obrigada pela dica.

    Um bom fim de semana, P. Rufino!

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  4. Olá Isabel,

    Tudo o que tenha a ver com a nossa mente, com o nosso comportamento, com o funcionamento do nosso cérebro me interessa.

    Tive acções de formação em que aprendíamos a usar o lado esquerdo e o lado direito do cérebro, tendo previamente percebido qual o lado dominante em nós. Era mesmo muito interessante.

    E aprendíamos a compreender como éramos a nível de inteligência emocional e o que poderíamos fazer para atenuar os aspectos menos bons ou a potenciar os melhores.

    São aspectos que não conhecemos bem e que, afinal, são tão determinantes na nossa maneira de ser.

    Mas tem razão, o meio em que nos desenvolvemos é importantíssimo. E o meio em que vivemos também.

    Um bom fim de semana, Isabel. Um beijinho.

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  5. Olá UJM,
    É verdade, por vezes deparamos com pessoas muito bem falantes, em reuniões ou fora delas, parecem-nos inteligentíssimas, umas sumidades até, e no entanto sabemos que essas pessoas na vida real são muito limitadas, o que elas têm é muito à vontade para enfrentar multidões, falar em público, e fazem proa em se evidenciarem e brilharem. Tenho um amigo meu que é muito inteligente, tem uma cultura académica vastíssima, no entanto é tímido e diz que prefere ouvir os outros e aprender com eles...compreendo-o bem, pois também sou mais para o tímido, gosto de passar despercebida(?).
    Como diz, o que interessa é as pessoas serem felizes, cada uma à sua maneira.
    Gostei muito deste tema.
    Um beijinho
    maria eduardo

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  6. Olá Maria Eduardo,

    Este tema, tal como os temas relacionados com a mente, com o lado racional ou com o lado emocional, são temas misteriosos mesmo para quem os estuda, fará para nós, leigos.

    Mas gosto muito destas matérias. Gosto de ler assuntos ligados com neurociências, com psicologia. Mas não me aventuro muito a falar sobre eles pois temo não ter o rigor que o assunto exige.

    Seja como for, é um facto: a inteligência é múltipla e não devemos avaliar uma pessoa apenas por uma das partes.

    E percebo-a muito bem, eu também não gosto nada de me evidenciar. Gosto de partilhar o que sei e por isso escrevo aqui mas faço-o para partilhar e não para me evidenciar (até porque sendo o blogue anónimo não faria sentido estar a evidenciar-me não é?).

    Irritam-me as pessoas vaidosas, convencidas, que desvalorizam os outros, que se tornam exibicionistas e que até inibem as pessoas mais tímidas.

    Respeitemo-nos uns aos outros, dando valor ao que temos de bom, não é?

    Um abraço, Maria Eduardo.

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