quarta-feira, junho 27, 2012

Flores, mulheres, fotografia, poesia, música ('artistas convidados': June Tabor, Irving Penn, Herberto Hélder)


Música, por favor

June Tabor - Where are you tonight



Flores. A efémera beleza das flores. A fragilidade das flores. O colorido puro das flores. O perfume natural das flores. A natureza feminina das flores. A natureza substantiva das flores. Das mulheres.





Uma flor. Aparentemente frágil. Forte. Transparente às vezes. Uma flor de seda. Uma mulher coberta de seda, ou de flores. Ou de pudor. Ou de desafios disfarçados de pudor. As pétalas da verdade que apenas se sugere, as dobras da paixão.





Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.


E então a mulher, vinda da noite, a mulher despe-se, sorriso velado, seios impúdicos, olhar destemido, a mulher avança devagar. 


Sou flor, sou efémera, sou carne, atravessei as águas, a noite, as raízes, passei pelas chamas que ainda trago em mim. Cheira-me. Cheiro a terra, a flores, a leite. Olha como entreabro os meus lábios. Escuta as minhas palavras ditas com o silêncio dos meus olhos. Percebe o meu corpo.




Não me olhes. Os segredos são meus. Quero ver-te sem que me vejas, quero possuir-te sem que me possuas. Sou bicho da noite, saí da floresta mais ancestral, daquela em que os bichos correm como loucos, acasalam, uivam e gemem e riem, sou ave livre, sou louca, serei tua. Quando eu quiser serei tua. Não me obedeças. Olha-me.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.


Esta é a minha substantiva natureza e nada mais posso dizer. As palavras voam em minha volta como aves, como plumas, não as retenho. Toma-as para ti. Banha-te nelas, mostra as minhas palavras nas tuas mãos, mostra-me como se aninham junto ao teu corpo.




Sou flor, sou bicho, sou água, sou espírito e ventre e seios e boca. Talvez mais. Ou não. Não quero saber. Sei pouco. Gosto de pensar que tenho tudo para saber. Não quero saber das regras da semântica, dos preceitos da moral. Não quero saber. Sinto o meu sangue, as minhas sementes, as minhas pétalas, as minhas penas negras e macias. Escondo-me, mostro-me, olho ao longe, chamo-te. Não me ouves? Que gesto é este meu? Não percebes? Vá, escuta-me, sente-me, aprende-me.

Anda devagar, sobe o degrau de seda, desfolha-me, cheira-me, colhe-me. Venho de dentro do mar, de dentro das árvores, sacudo a terra, sacudo as sombras, solto a exuberância de ser mulher. Vou receber-te.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo. 


Meu amor. 


*

As fotografias são de Irving Penn (1917-2009), americano, grande fotógrafo de flores e de mulheres. Os textos em itálico são excertos esparsos do poema O amor em visita de Herberto Hélder.

Se ainda vos apetecer, gostaria muito de vos ter também lá no meu Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras descobrem-se por momentos em volta de um poema de João Miguel Henriques. Se lá forem, permitam que vos sugira que coloquem logo a tocar a música, belíssima, de Heitor Villa-Lobos.

*

Tenham, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira!

4 comentários:

  1. Jeitinho espero que a aventura de ter ido trabalhar lhe tenha corrido bem. Espero que esteja melhor.
    Não abuse.
    Um beijinho Ana

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  2. Tazinha, esteve doente?
    E eu que não dei por isso.
    Muitos beijinhos e tudo de bom

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  3. Olá Ana,

    Correu menos mal, obrigada. Ainda com a sensação de andar em câmara lenta e ainda com muito cuidado, mas lá fui e lá vim.

    Obrigada pelo seu cuidado, Ana.

    Um beijinho.

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  4. Olá Teresa-teté,

    Estive um bocado mas numa impaciência... se não estivesse mesmo doente tinha-me 'pirado' de casa antes. Mas ainda assim lá me aguentei uns diazitos a ver se recuperava. E recuperei embora esse processo ainda dure. Mas já estou bem melhor.

    Obrigada, Teresa-Teté. Um beijinho.

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