Música, por favor
Katie melua - Nine Million Bicycles
Eva anda arredia. Depois de dois dias de actividade intensa, reuniões sucedendo-se a um ritmo alucinante, gente a sair afogueada da sua sala de trabalho, telefonemas quase consecutivos, (ah o que Eva adora, adora mesmo, trabalhar assim, debaixo de stress, de andar a mil, de ter cinquenta coisas para fazer ao mesmo tempo!), eis que Eva deixa instruções para que cumpram todos os planeamentos enquanto ela não estiver. E, na prática, desapareceu.
Continua a atender telefonemas, telefona também a saber o andamento dos trabalhos mas não tem aparecido. A secretária diz não saber de nada, fala nuns dias de férias mas jura a pés juntos que pouco mais sabe que isto.
Fala-se à boca pequena que alguma anda a tramar, correm rumores, contam-se segredos, insinuam-se nomes, histórias, aventuras, romances, desgostos, relatam-se grandes tormentas, grandes guerras. Mas a verdade é que ninguém sabe o que se passa.
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Assim sendo, passo adiante e prometo voltar mal saiba de alguma coisa.
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Revista Ler de Abril de 2012, Hélia Correia na capa, no meio de um bosque, estranho vestuário, curiosas luvas mas, no conjunto, uma fantástica harmonia: uma mulher-gato no meio das árvores, das pedras, uma mulher que respira palavras e que tem muito viva a sua consciência de cidadã.
Hélia Correia na Revista Ler: 'Estive quase a ser normal, imagine' |
No entanto, logo na 1ª página, junto ao índice, um excerto da entrevista e um susto. Transcrevo a parte que me assustou: 'Todo o tempo em que tive de cama, ....'.
Tive de cama? Tive do verbo tar? (angústia...)
Aflita, parto em busca do texto original para ver se o erro vem da origem ou se nasceu ali. Sossego então. O texto original reza assim: ' Todo o tempo em que tive de estar de cama,...'
Uff. Mero lapso, portanto.
Contudo, mais à frente dou com outra (que agora já não descubro para vos dar testemunho - e não vou perder mais tempo à procura, a ver se não me deito de madrugada): 'hajam' (em que o haver era sinónimo de existir e, portanto, sem tempos no plural - ... não é Senhores Professores de Português? Não estou errada, pois não?).
Espero que sejam apenas dois casos isolados e que se trate de insignificantes lapsos de revisão e não que a Ler esteja a aligeirar na garantia de cumprimento dos exigíveis padrões de qualidade.
Adiante. Ainda mal folheei a revista, ainda rescende àquele cheiro bom da tinta fresquinha.
Música, por favor
June Tabor - Finisterra
Vejamos então as palavras de Hélia Correia de onde foi extraído aquele excerto, e algumas outras:
Carlos Vaz Marques pergunta-lhe: Sente que vivemos tempos de escândalo?
Hélia responde: Sem dúvida. Mas normalmente eu tenho um mundo próprio. Não preciso deste. Tenho um mundo muito meu, muito cheio. São mesmo refúgios físicos, longe de Lisboa. E depois tenho os refúgios mentais. Posso até dizer-lhe uma coisa muito pessoal: quando estive doente as pessoas acharam que eu fui muito corajosa. Não fui nada corajosa. Estava era completamente distraída. Não vivi essa realidade. Todo o tempo em que tive de estar de cama, por exemplo, foi um tempo em que voltei a andar pela Grécia, a andar pela Irlanda, a andar pelos meus sítios, completamente alheia ao que se estava a passar. Está bem que é uma fuga mas não é uma fuga de negação do mundo. É uma fuga para os meus sítios, é uma fuga para onde estou bem. É escandaloso também dizer isto nos dias de hoje: uma pessoa não pode dizer que está bem. Não pode dizer, muito menos, que está muito bem, como eu lhe diria. Que estou muito bem, que sou muito feliz.
Pergunta Carlos Vaz Marques: Conseguindo pôr entre parênteses aquilo que considera ser o escândalo do tempo presente diria que é uma pessoa muito feliz?
Sou. Sou muito feliz com as minhas pessoas.
Então vamos fazer de conta que não disse.
Não posso dizê-lo. É ofensivo. É aí que eu digo: 'Parece de uma pessoa tontinha e intelectualmente debilitada'. Só uma pessoa intelectualmente debilitada é que pode dizer: 'Eu sou muito feliz'.
Mais à frente, pergunta Carlos Vaz Marques: O que espera então da escrita?
Nada. Não espero nada. Porque é que eu havia de esperar? Era uma ingratidão enorme. Eu fui - não gosto de dizer 'abençoada' porque soa muito a bênção - contemplada com uma dádiva de beleza, que é poder construir uma coisa com instrumentos que vêm até mim, que são as palavras. E eu sei muito bem o que é o contrário: o não ser capaz. Eu tentei aprender música e não fui capaz. Veio até mim isso e não só o facto de eu escrever mas o facto de a minha vida ter sido sempre enriquecida com literatura e com os escritores, os meus escritores, que estão vivos e é como se estivessem na minha casa hoje, estão no meu mundo. Como é que eu, depois de uma dádiva destas, poderia ainda esperar alguma coisa?
Lá mais a seguir, Carlos Vaz Marques pergunta-lhe: Nunca revê provas?
Raramente. Deste [A terceira miséria], revi. Como eram decassílabos, queria ter a certeza de que estava tudo correcto. Mesmo assim o livro foi feito tão à pressa, tão à pressa, escrito de um jacto, que tem umas omissões que precisam de uma errata. Eu tinha uma grande urgência em publicá-lo.
Porquê?
Telefonei para o editor a dizer: 'Francisco, despacha-te que a Grécia de um dia para o outro acaba.' Foi uma loucura. Por isso tem omissões que me afligem muito.
Que erros são?
No texto é só uma vírgula, que falta na página 35. E no fim, nas 'Dívidas confessadas', há duas omissões e um erro. Falta a referência a A Morte de Empédocles, do Holderlin, e a A Origem da Tragédia, do Nietzsche. Além de aparecer, erradamente, O Viajante das Sombras, quando o título correcto é o Viajante e a Sombra. Isto são coisas que fazem parte da minha vida, mas com a pressa fiz tudo de cor e saíu asneira. Sou muito precipitada e dá nisto.
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Assim é, pois, Hélia Correia, pessoa e escritora que admiro e de quem, anteriormente, já aqui vos falei.
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A palavra de novo a quem nasceu abençoada, agora com um poema de A Terceira Miséria:
Essa beleza que era também espanto
pelo dom da palavra e pelo seu uso
que erguia e abatia, levantava
e abatia outra vez, deixando sempre
um rasto extraordinário. Sim, a hora,
dois séculos atrás, em que uma ausência
e o seu grande silêncio cintilaram
sobre a mão do poeta, em despedida.
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[Se estiverem para isso, gostaria de vos ver na minha outra casa, o Ginjal e Lisboa. Hoje temos uma árvore e um homem por trás e a poesia de João Miguel Henriques. A música, esta semana, como sabem, é de Mussorgsky e hoje temos uma bela sonata para piano a quatro mãos]
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E tenham, meus Caros, uma quarta feira muito boa. Que cada dia valha a pena, meus Amigos.
Jeitinho amiga:
ResponderEliminarNão tenho dado notícias, porque ando meia em baixo. Está tudo avariado. O PC está maluco, deixei cair o telemóvel à pia, doem-me os ossos.
Não consigo concentrar-me.
Fico sempre assim, na altura das festas. Não entendo muito bem, como pode haver festas, num mundo em guerra. Os supermercados metem-me nojo, cheios de apelos ao despesismo.
Por isso, não estranhe,a falta de comentários. Lá para terça, já tudo entra nos eixos. Nessa altura, comento tudo de uma vez.
Bom fim de semana, ou mini férias
Beijinhos
Maria (versão, virada do avesso)
Maryzinha,
ResponderEliminarJá estava a estranhar mas pensei que fossem as suas sobre-ocupações com os netos que, parecendo que não, alteram a rotina e significam (para além da alegria) uma trabalheira.
Agora já fico triste que ande murchita e, ainda por cima, com dores. Deve ser também desta mudança de tempo, o frio não ajuda nada.
E, claro, quando as coisas começam a avariar, ainda mais nos desestabilizamos.
Mas veja é se não é alguma gripe, abife-se, abafe-se. E descanse a ver se energia volta.
Eu também não tenho paciência para os consumismos associados às festas...
Vou sentir a sua falta mas resguarde-se, abrigue-se, recolha-se, descanse que, na volta, a ver se vem toda reguila e bem disposta como gosto tanto de a ver.
Beijinhos, Mary!