Nunca atribuir à malícia o que pode perfeitamente ser explicado pela incompetência.
A frase, tão oportuna, é de Napoléon Bonaparte e abre o último post de Mitch Guthman, cuja leitura vivamente recomendo. Aí pode ler-se, por exemplo, que os tecnocratas da classe política europeia são como o aprendiz de feiticeiro que joga com arrogância com as forças elementares que estão muito para além da sua compreensão e da sua capacidade de controlar.
E continua explicando como estes aprendizes que nos governam, de cada vez que, muito convictamnete tomam medidas, só estragam ainda mais. E, diz ele, fazem-no não por alguma particular malevolência mas apenas porque são incompetentes.
Neste texto, Mitch Guthman refere-se ainda ao post de Olivier Blanchard - director do Departamento de Estudos do FMI, artigo publicado no blogue do FMI, em que ele aponta 4 razões para que a Europa esteja na desgraceira que está (artigo intitulado 2011 in review: four hard truths cuja leitura, de novo, vivamente vos recomendo) - e termina referindo o artigo de Paul Krugman no qual este compara a cura de austeridade que alguns países europeus vêm seguindo como as mezinhas da idade média em que os doentes não morriam da doença mas morriam da cura.
Pelo meio, Guthman diz ainda que, ao ter-se entrado no ciclo viocioso da austeridade, recessão, austeridade, recessão, uma vez que os governantes ainda não perceberam que assim não recuperam a confiança dos investidores, será preciso correr rapidamente com eles.
Já por cá, este fim de semana, no suplemento de Economia do Expresso, Manuela Ferreira Leite que não se cansa de alertar para o gravíssimo disparate que é esta política, comparava o que se está a fazer com a atitude de quem, vendo que uma embarcação está a meter água, desata a aliviar carga, deitando tudo fora, ferramentas de reparação, mantimentos, tudo.
Como para falar com gente do calibre de Passos Coelho & C.ia. é preciso ser-se muito explícíto, de preferência fazendo um desenho porque estes recém licenciados percebem melhor com bonecos, Manuela Ferreira Leite conclui que, no fim da operação de resgate, a embarcação estará certamente muito mais leve mas que será, também imprestável. Ninguém mais poderá sobreviver a bordo de tão frágil e desprovida embarcação.
Mas volto ao, a todos os títulos extraordinário, texto de Olivier Blanchard que, inclusivamente tem chamada de primeira página no site do FMI.
Blanchard resume a quatro as razões para que, depois de tantas 'intervenções', a Europa esteja pior no final de 2011 do que no início.
Não vou resumir aqui o seu brilhante texto pois acho que deve ser lido na íntegra. Vou apenas apontar que, se ele não diz coisas espampanantemente novas, a verdade é que as sistematiza de uma forma que nos aparecem como inequivocamente cristalinas - e percebemos que os mercados estão a comandar o mundo, que a Europa está entregue a pessoas sem liderança que andam ao sabor dos acontecimentos, incapazes de traçar um caminho, incapazes de cumprir sequer o que vão alinhavando nas sucessivas cimeiras, que as percepções do mercado influenciam as taxas de juro, as quais fazem disparar a dívida, a qual, na ausência de medidas decentes, criam problemas de solvência, que as medidas de austeridade criam recessão, que com recessão não há capacidade para crescer, sem capacidade para crescer não há capacidade para pagar as dívidas.
Trancrevo um parágrafo para os preguiçosos ou cépticos que não queiram ler o texto todo: "I should be clear here. Substantial fiscal consolidation is needed, and debt levels must decrease. (...) It will take more than two decades to return to prudent levels of debt. There is a proverb that actually applies here too: “slow and steady wins the race.”
Claro que lendo textos assim, fico um pouco apreensiva porque uma coisa é lermos análises de gente inteligente, culta, capaz de elaborar raciocínios e outra muito diferente, dramática mesmo, é estarmos entregues a gente fraquinha, fraquinha, muito fraquinha, irremediavelmente fraquinha, desgraçadamente fraquinha. Mas, como tendo a ser optimista, penso também que textos destes são boas notícias. Quando Olivier Blanchard, o Director de Estudos do FMI, começa a falar assim em público, quando o Professor Paul Krugman, prémio Nobel de Economia de 2008, começam a bater-se fortemente contra esta política estúpida e suicidária, quando tantas vozes tecnicamente insuspeitas começam a demonstrar os danos irreversíveis que esta política está a causar, acho que poderemos ter alguma esperança. A mudança costuma começar assim.
Ok. E por falar em esperança... falemos em ventos de esperança, falemos em ventos brancos, em leveza, em coisas magníficas. Voemos.
(E agora dirijo-me aos corações empedernidos, aos que acham que ballet é coisa de meninas, e dirijo-me também aos que acham que eu sou intolerante para com as patetices do grupinho do Pedrocas, Relvas, Gaspar, Moedas e Companhia, dirijo-me aos que costumam armar-se em mauzões ou malandrecos e que costumam mandar-me ler ou ver coisas de outras eras, e digo-vos: desta vez apenas me cingi às opiniões de pessoas tecnicamente reconhecidas pela sua competência, desde um Prémio Nobel, ao IMF Director of Research Department, passando por Manuela Ferreira Leite, ex ministra das Finaças e ex líder do PSD. Por isso, deixem-se de maus feitios e venham voar, ok? Vamos lá a arejar essas cabecinhas mal informadas, ou ultra-liberais, ou conservadoras, ok? Venham daí comigo, que eu vos perdoo.
Vá, não se zanguem, estou a brincar....
Meus amigos - vamos voar que tomara que estes meus ventos brancos sejam prenúncio de arejamento, de mudança. E são lindos, lindos.).
Marina Kanno and Giacomo Bevilaqua do Staatsballett Berlin, com música dos Radiohead
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
(Início do poema 'Uma pequenina luz' de Jorge de Sena)
Meus amigos, que a pequenina luz que eu começo a ver ao fundo deste túnel assombrado onde nos querem manter, seja vista por muito mais pessoas, que a pequenina luz cresça e que, em breve, nos ilumine a todos, brilhando no meio de nós.
Talvez seja do meu computador, não sei, mas tem sido difícil percorrer este espaço. Entra numa lentidão que nada tem a ver com a "dona" do blog, disso tenho a certeza
ResponderEliminarCara Jeito Manso, antes que isto pare outra vez...quero convidá-la a passar pela nossa casa da lapa, onde a nossa querida Helena me permitiu deixar um "textinho" de "outros Natais"
...para partilhar com os amigos do costume.Abraço!
Olá, Era uma Vez,
ResponderEliminarNo meu computador isto anda à velocidade normal. Talvez fosse algum problema momentâneo no acesso è internet. No entanto, se persistir, peço-lhe o favor de me avisar porque posso estar com algum problema nisto.
Quanto ao seu poema na Casa da Lapa já tinha suspeitado que fosse seu. Já lá tinha passado, faz parte do meu passeio diário e, quer pelo estilo, quer pelo nome da autora, fez-me crer que seria um poema seu.
Muito bonito, muito o seu género inspirado ao correr da pena, sempre aquela facilidade de descrever poeticamente as situações normais da vida. Um dia vamos ter um livro? Guarda os poemas que vai oferecendo aqui e ali? Espero bem que sim.
Espero que as suas princesinhas já estejam bem. Eu também tenho tido um doentinho, o mais crescidinho (3 anos), virose dizem os médicos e agora receia-se que tenha contagiado o irmãozinho bebé - mas tomara que não. São umas idades terríveis, volta e meia andam com coisas destas.
Um abraço, inspirada Era uma Vez!
E se alguém ousar estar enervado só de ver esta maravilha vai ficar por certo dentro da maior calmaria.
ResponderEliminarEspetacular! Ainda bem que existem coisas que nos fazem passar momentos de descontração e nos permitem viajar nas coisas belas que a vida tem.
Grande abraço e continuação de Festas Felizes.
Teresa-Teté,
ResponderEliminarÉ um momento de beleza, de tranquilidade, de leveza, não é?
Descobri-o e apeteceu-me partilhar convosco. Parece quase impossível que um corpo humano consiga elevar-se, movimentar-se com esta flexibilidade. O meu corpo também é humano e, nem de longe, nem de perto, consegue fazer a quinta parte disto (a quinta parte...? Nem a décima...!)
Um abraço festivo e tempos bons para si também, Teresa-Teté.
belo quadro o de napoleão bonaparte, não sei de delacroix.
ResponderEliminarOs ultimos 6 anos da vida do imperador, prisioneiro dos ingleses (melhor, dos aliados)na ilha de sta helena em longwood é uma história fascinante que tem dado origem a muita literatura.
Na viagem para sta helena passou pelo funchal, foi visitado por autoridades portuguesas e pelo consul inglês e recebeu presentes, incluindo garrafas de vinho da madeira que levou para a ilha de exilio.
Caro Patrício,
ResponderEliminarÉ, de facto, belo este quadro de Napoleão. Não consegui saber o autor. Poderia ser Delacroix mas a verdade é que não encontrei a referência à autoria.
Conheço a história do exílio, ou melhor, da prisão em Santa Helena. Como pode um homem como Napoleão acabar os seus dias confinado, condicionado, não é? A História tem destas injustiças. Quem o derrotou pode ter achar que a 'figura' deveria estar longe da vista, longe do coração da população - mas, para ele, deve ter sido doloroso. Já li pelo menos um livro sobre a vida de Napoleão em Santa Helena, acho que é um episódio, de facto, fascinante da História.
Não sabia que ele tinha levado vinho da Madeira. Coitado, talvez lhe tenha aquecido um pouco a alma.
Napoleão era um homem de acção, com uma tremenda força realizadora e governativa e claro, com grande ambição. Dizia que os homens devem dormir 3 horas por noite, as mulheres 4 e os imbecis 5. Não contente com o pequeno cargo de rei de elba voltou, fez os 100 dias e foi definitivamente desrrotado pelas potencias aliadas.
ResponderEliminarsta helena foi naturalmente um tormento para ele. tinha um pequeno perimetro para circular à volta da casa que lhe foi dada, soldados à volta desse perimetro noite e dia para o vigiarem e a ilha estava defendida e isolada por mar por vários navios de guerra ingleses.
Fez se acompanhar duma pequena corte, alguns fieis, secretário, cozinheiros, serviçais.
Aborrecia-se tremendamente e reflectiu sobre a sua carreira politica e militar.
Entre os interessantes livros publicados ultimamente sobre essa fase está o "la chambre noire de Longwood, le voyage à st helène" de jean paul kauffmann (folio)
Creio que foi um prisioneiro de luxo, muito caro para os ingleses.
Hoje, a casa de longwood é propriedade do governo francês que a mantem como museu restaurada, bem como o tumulo na montanha onde repousou uns anos antes de ser trasladado para frança por napoleão iii.
Acabo por comentar não o conteudo principal da entrada,mas um pormenor, o belíssimo quadro de napoleão a cavalo comandando que vi entretanto que era de jacques louis david, que tambem pintou a coroação do imperador
Caro Patrício,
ResponderEliminarO seu comentário enriquece o meu blogue e permite aos leitores terem uma percepção contextualizada do que foi a figura de Napoleão Bonaparte.
A sua vida em Sta Helena é um período historicamente muito interessante para nós mas, acho que tem toda a razão, para um homem tão activo e tão ambicioso como ele, viver confinado e vigiado, foi certamente um indiscritível tormento.
Agradeço a informação sobre a autoria do retrato de Napoleão (retrato que tão bem demonstra o homem que ele era). Como lhe disse, não tinha conseguido saber (as minhas pesquisas, por força das circunstâncias, são sempre apressadas).
Muito obrigada por tudo.