sexta-feira, dezembro 16, 2011

Eduardo Lourenço, Prémio Pessoa 2011 - o esplendor no caos


Quando fiz o meu curso de Grafologia no Centro Nacional de Cultura, uma das escrita mostrada pelo professor, o Dr. Alberto Vaz da Silva, foi a de Eduardo Lourenço. Uma caligrafia forte, musculada, 'engajada', apaixonada mesmo. Corresponde ao que se conhece da peronalidade do mestre (como não pode deixar de ser - a grafologia não engana, tenho-o comprovado).

Num aparte, confidenciou o Dr. Alberto: "Ele (Eduardo Lourenço) é um homem vigoroso, e apaixonado, nomeadamente com as mulheres. A mulher dele é que o traz de rédea curta..."



Tem graça e acho que deve ser bem verdade.

Mas interessa agora dar aqui um cheirinho da sua inteligente, lúcida, lúcida escrita. Pego num livro seu e transcrevo:

'Se o que está acontecendo no mundo é da ordem da fatalidade natural - do género das cheias do rio Amarelo ou das pestes da Idade Média - ainda nos resta a saída pelo telhado: tentar "pensar" o que, com aparências de irresistível, nos ameaça. Pensemos, pois, a crise, a famigerada crise diagnosticada como inevitável e iminente (...)

As grandes companhias de aviação, que se identificavam com nações e culturas, sucumbem nos braços de companhias rivais e abdicam da sua identidade como meros clubes de segunda divisão. (...) Pode pensar-se que esta vulnerabilidade das empresas e das indústrias mais sofisticadas não difere senão pelo grau de obsolescência dos seus produtos da que já afectava os negócios familiares do ilustre Gaudissart balzaquinao. E que os nossos empresários estão para os invisíveis actores dos mecanismos supranacionais que condicionam a economia mundial como o mísero herói de Balzac estava para os Nucingen do seu tempo.

Na verdade, mudámos de dimensão e de mundo. Os Gaudissart, pequenos ou médios empresários, só têm uma realidade onírica. Não são 'ilustres', nem têm identidade. Mesmo os grandes capitalistas, aqueles que supomos serem ainda 'os donos' das empresas multinacionais, são simples figurantes de um sistema de estrutura estritamente financeiro-comunicacional que, pela primeira vez, funciona como um war game, mas sem precisar de ter, e ainda menos de 'ser', um conglomerado de patrões de direito divino, como na mitologia do antigo discurso anticapitalista. Por isso, é tão difícil mobilizar-se, a nível simbólico e efectivo, contra este 'monstro', que não tem outra regra além da autojustificação em termos de conquista (partes do mercado) que permita ao sistema funcionar. Mesmo que para isso seja necessário retirar do mercado de trabalho a humanidade inteira."


Poderia continuar a transcrever de tão actual que é. Eduardo Lourenço descreveu toda a presente situação avant la lettre - este texto foi escrito em 1996. Ou seja, teve a perspicácia de antever tudo o que a realidade tem vindo a revelar à saciedade. Isto acontece com os pensadores escorreitos, inspirados, dotados.


"Pode discutir-se se a desordem em que estamos mergulhados - desde a económica até à da legalidade e da ética - releva ou não, em sentido próprio, do conceito do caos. Do que não há dúvidas é de que o habitamos como se fosse o próprio esplendor." (1997)

- Transcrições de 'O Esplendor do Caos' de Eduardo Lourenço, edição Gradiva de 1998.


Prémio justíssimo.
E que bem lhe fica ser Prémio Pessoa. Eduardo Lourenço diz que este prémio é o que faz mais sentido para ele. Claro que é!

Muitos Parabéns!
 

4 comentários:

  1. interessantes os extractos de e l que nos dá. Pensadores na (e de) verdade, portugal tem poucos e é pena. Mas são estes ensaios intemporais que ficam e marcam uma cultura, tal como os montaigne ou francis bacon.
    A verdadeira reflexão não é tecnocrata, esta é efemera e desactualiza se imediatamente.
    Os livros de e l, mesmo os mais antigos, serão sempre alimento para o espirito e matteria para pensamento

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  2. Caro Patrício Branco,

    Obrigada pelas suas palavras.

    Abre-se um livro de Eduardo Lourenço, abre-se um livro ao acaso numa página ao acaso, e o que se lê é sempre interessante, intemporal, lúcido. Um gosto ler os pensamentos de quem vê o mundo pelos olhos da inteligência, do interesse despojado em relação à humanidade.

    Um Prémio Pessoa justíssimo. Tomara que o entrevistem agora muitas vezes para podermos ter o prazer de o ouvir.

    Por isso, Caro Patrício Branco, concordo em absoluto com as suas palavras.

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  3. É um dos prémios Pessoa mais justos q se dá. Felizmente ainda temos entre nós quem pense e saiba pensar.

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  4. Packard,

    Assim é, de facto. Uma voz independente. Não tem necessidade nem gosto em agradar aos outros, só para agradar, não faz fretes, é uma mente livre.

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