O que se passa na Grécia é do mais perturbante que existe. Quando anunciou, sem aviso prévio, a realização de um referendo que valide a aceitação do plano de ajuda, Papandreou tirou-nos o tapete a todos. Ficamos sem chão, sem perceber nada, preocupados, perplexos. Nada poderia ter desestabilizado mais o mundo inteiro. Não querem ser ajudados?!
Depois de todo o suspense sobre o resgate à Grécia, com a cimeira europeia (depois de tanta discussão e negociação) a parir um plano de redução da dívida a 50%, eis que, quando a fome dos mercados é aplacada, Papandreou, com aquele seu ar charmoso e tranquilo, pega numa granada e a atira para cima da mesa.
As bolsas, naturalmente, quase se estatelaram, os bancos viram, de novo, o seu valor deslizar para níveis de susto, a China, os Estados Unidos, aflitos, já mandaram recados e, por todo o lado, toda a gente se benze, em pânico, sem perceber o que é que aquela gente tem na cabeça, sem saber se o fim do mundo está iminente.
Merkel e o seu pet-Nicolas já reagiram, estão em pânico, querem encontrar-se urgentemente com o doido do Papandreou, estão a ver a própria vida a andar para trás, as suas próprias eleições internas para breve e os índices de popularidade cá por baixo. Além disso, esta cimeira e estas decisões - foi tudo obra destes dois. Papandreous parece que está a brincar com eles, depois de tanto trabalho, faz uma destas? Desautorizou toda a gente, desautorizou o casal maravilha. Mas desautorizou também o cherne Durão, o discreto Van Rompuy, desautorizou toda a gente. Surpreendeu toda a gente, virou o mundo de cabeça para baixo.
O euro refém da Grécia. E União Europeia refém da Grécia. O mundo refém da Grécia.
E agora?!
Mas olhemos agora as coisas por outro prisma.
Na cimeira da semana passada, o que se resolveu foi que se reforçava o fundo de resgate. Mas com aquele dinheirão todo de que se falou...? Um bilião, não foi? Não, nem pouco mais ou menos - a solução passará, outra vez, por aquela cena da alavancagem, que tão nefasta foi em toda esta crise. E quem é que se chegou à frente para a alavancagem...? Pois claro: o dinheiro novo. A China, por exemplo. A Rússia. O Brasil. Ou seja, os emergentes a avançarem sobre a Europa. Pensemos nisto. 'Manda quem paga', já alertou, em tempos, Manuela Ferreira Leite. (A propósito, vamos ver a que mãos vão parar as nossas anteriormente chamadas empresas estratégicas... o capital chinês, brasileiro, etc, está aí, perfilado)
Na cimeira da semana passada decidiu-se também que se perdoava parte da dívida grega ... mas, meus Caros, não sabemos já que não há almoços grátis? Pois: haverá nova tranche, haverá perdão de parte da dívida, se... se... for posto em prática um novo, severo, plano de austeridade.
Ora acontece que o povo grego está já tão massacrado, tão sofrido, há tanto desemprego, tanta gente que perdeu a casa, tanta gente sem dinheiro, tanta gente sem esperança, são um povo humilhado, tanto plano de austeridade em cima de plano de austeridade, e cada vez estão pior, nada daquilo tem dado qualquer resultado, vão de mal a pior, juros que já atingiram os 100%, vítimas da agiotagem, vítimas de tudo (tal como antes foram vítimas de políticas erradas, vítimas de políticos incapazes, incompetentes, vítimas da incúria europeia que não analisou as suas contas, vítimas da ganância de quem antes, nos tempos das vacas gordas - e cegas! - lhes emprestava dinheiro para que eles pudessem importar os seus produtos). E o povo grego, desesperado, já não aguenta mais. Já não aguentam mais. Têm medo, muito medo, mas já não aguentam mais.
E o governo grego está cansado, estafado, exaurido, entalado entre a espada e a parede e Papandreou já não deve aguentar mais.
E, no meio de tanta aflição, de tanto desespero nas ruas da Grécia e no meio de tanto calculismo, de tanta negociata de baixa política, de tacticismo míope, da Europa e de todo o mundo, eis que um homem se levanta e, perante o pasmo mundial, se lembra que ainda há pessoas, que as pessoas ainda têm voz e que, no berço da democracia, ainda será possível devolver a voz ao povo.
É assim que vejo este acto imprevisto.
Na Grécia uma borboleta levantou voo.
E agora, como é sabido, quando uma borboleta bate as asas na Grécia, um tufão levanta-se em Berlim, um vendaval sopra em Paris, um tornado levanta os telhados em Washington, um temporal assola Pequim, uma tempestade envolve Moscovo. É o tão conhecido efeito de borboleta, é a teoria do caos.
Temo muito o que aí vem. Talvez nos vejamos todos sob o mais severo dilúvio - e tudo porque uma borboleta levantou voo em Atenas.
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Notas soltas
> Não me pronuncio sobre a substituição, também levada a cabo, de todas as chefias militares gregas. Fala-se em instabilidade e, à boca pequena, tem vindo a insinuar-se que há uma preocupante agitação no seio das forças armadas, falando-se até em golpe militar. Não estou bem ao corrente mas isto não são boas notícias.
> Não me pronuncio sobre as divergências no seio do governo e do partido que o apoia. Não estou muito ao corrente mas fala-se que a contestação está a subir de tom e que o governo pode estar para cair em breve na sequência de uma moção de confiança.
> Saindo da Grécia: a OCDE, a OIT, o FMI e todos os organismos internacionais em que ainda prevalece algum bom senso não se cansam de alertar para a urgente mudança de rumo que tem que ser posta em prática para que a economia mundial não se afunde de forma grave, duradoura, para que a humanidade não regrida para muito preocupantes níveis de pobreza.
> Em toda esta crise financeira mundial, o poder de decisão tem estado nos mercados, nas agências de notação, nos burocratas, nos contabilistas sem pingo de sensibilidade política, nos amanuenses impreparados, incultos, ignorantes que pululam pelos governos e pelas instituições. Nem os avisos acima referidos, nem o comprovado insucesso dos planos, nem o crescente desemprego, nem a onda de indignação que alastra por todo o mundo, têm feito inflectir o rumo que se tem vindo a seguir. Talvez que o que está agora a acontecer na Grécia (e até pode acontecer que nem venha a haver referendo, até pode acontecer que Papandreou seja apeado e, não nos iludamos - estamos a atravessar um momento disruptivo de imprevistas consequências) tenha o mérito de revelar que afinal ainda há quem se levante para dizer que a política não é letra morta e que as pessoas não são inúteis e descartáveis personagens secundárias.
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Meus Caros, o caso não é para menos, mas tentemos não cair em desalento.
Para ver se vos animo, convido-vos a seguirem para o post abaixo, o tema é mais divertido.
Minha cara
ResponderEliminarNão calcula como estes acontecimentos na Grécia me afectaram.
Se a intenção de Papandreou era submeter o auxílio externo a referendum, porque não disse antes?
E sem ajuda externa, como vai o país aguentar-se?
Eu sei bem que na base de tudo isto está a especulação e a ganância. Mas já viu algum doente terminal, sobreviver sem tratamento?
E, por acaso, o PM grego pesou as consequências do seu gesto, em países como Portugal?
Os gregos poderão estar cheios de razão, mas há aqui uma falta de ética que, afinal, também os aproxima daqueles que eles pretendem pôr em causa.
Para mim - que sempre fui muito crítica deste projecto de uma Europa cujas diferenças superam muito o que possam ter de comum - a Grécia é a pedra de toque de algo que sempre temi que acontecesse...
PS Parabéns pelos novos lay out dos dois blogues!
Olá Helena!
ResponderEliminarTenho mixed feelings sobre isto.
Para já, segundo hoje foi noticiado, ele já tinha avisado (a semana passada) que ia despoletar o referendo. Se calhar não o levaram a sério...
Eu percebo que ele, um homem no fio da navalha, a ter que andar a negociar em Bruxelas planos de ajuda e a ter que aceitar austeridade sem fim e a ter que chegar à Grécia e ter o povo desesperado na rua, a dizer que o plano de resgate não está a funcionar e, além disso, no seu próprio partido há quem esteja também já farto - e não me custa admitir que o homem já não saiba para que lado se há-de virar e tenha resolvido que o povo se pronuncie para, de uma vez, ele perceber para que é que está mandadato.
Também acho que um país, um povo, não deve perder a possibilidade de se pronunciar sobre o seu destino. Um povo é gente que sofre, que batalha, que tem ambições - Não deve ser tratado como variáveis com as quais se joga nos Ts da contabilidade.
Mas compreendo que a situação é tão desesperada que, uma coisa destas, nesta altura, introduz uma imprevisibilidade difícil de gerir.
Quanto ao doente terminal ter que ser tratado, também sei que há momentos em que os doentes terminais anseiam por poder controlar as suas vidas em vez de estar passivamente a ser receptáculos de tratamentos.
Vi há dias na televisão o caso de uma menina, de seu nome Safira, que aparecia ao pé de outros casos (não vi o programa na íntegra pelo que posso estar a omitir alguns aspectos). Essa menina tinha cancro e tinha que ser submetida a um tratamento violentíssimo de quimioterapia. Os pais opuseram-se e agora a menina parece estar bem. Mostraram uma adulta a quem aconteceu a mesma coisa em criança.
Ou seja, perante a desgraça e a falta de esperança (como é a situação na Grécia e na Europa toda), a racionalidade e o calculismo passam frequentemente para planos secundários e as pessoas tomam decisões imprevistas - e às vezes a coisa corre bem.
E quem sabe não é de um sobressalto destes que nasce uma melhor maneira de olhar a gestão dos países...?
E sim, concordo plenamente consigo: a Europa não estava preparada para adoptar a mesma moeda. Foi uma precipitação mesmo.
Tempos de grande preocupação, estes.