Quando saio do trabalho, depois de estar todo o dia fechada numa torre de vidro sem janelas que abram, anseio por ir caminhar, de preferência junto ao rio.
Algumas vezes vou andar (e fotografar, claro!) para a zona das Docas ou para a zona de Belém ou mais à frente ou por ali.
Tal como eu, dezenas de pessoas por ali passam a andar, a correr, a andar de bicicleta, a pescar, a conversar, a namorar.
Há pessoas que andam com a roupa de trabalho, executivos muitas vezes ainda em importantes conversas ao telefone, elegantes executivas ainda de saltos altos, gente com roupa desportiva, há de tudo, novos, velhos, gordos, magros, gente sozinha, aos pares, em grupo.
Os homens, quando correm, geralmente correm sozinhos. Não se distraem, parece que vão a cumprir um objectivo, devem controlar velocidades, minutos e quilómetros com a precisão da casa decimal, passadas largas, controladas. Vão junto ao rio, não se desviam, velozes, quase uma obrigação que querem cumprir com distinção.
As mulheres, pelo contrário, quando correm, correm aos pares ou em grupos, muitas vezes grupos de três e vão conversando, rindo. Por vezes vão a ouvir música mas distraem-se, desviam-se dos transeuntes, vão pelo meio da estrada, incertas, descontraídas, se for preciso quase param para dar passagem a alguém. Vão por prazer, para desfrutar o local, o momento.
Mas há uma mulher que por ali vejo que é diferente de todas as outras. Vai equipada a preceito, tem umas pernas musculadas, corre de forma mecânica ainda que não veloz, mas é enérgica, um relógio em deslocação, uma deusa ex machina, cruza-se com a multidão sem a ver, indiferente e violenta na sua corrida precisa, a cabeça hirta, o cabelo mal cedendo à deslocação. Os seios não balançam como o das outras mulheres que correm, são seios contidos e imobilizados. É um bicho cego e possante, os braços musculados e em tensão, dobrados e quase imóveis, corre, corre, corre, é uma mulher a correr junto ao rio. Não se desvia de crianças, de bicicletas, é uma automotora sem condutor, não ouve música, não olha para ninguém, não quer companhia, vai numa incansável luta contra os seus demónios interiores, corre, corre, apenas quer gastar-se toda ali, em corrida, junto ao rio, violentamente, corre, corre, passada certa, violenta. E cruzo-me com ela uma e outra vez e eu vejo-a, imparável, imperturbábel, insensível ao cansaço, ao calor, aos outros, e ela não me vê, não vê ninguém. Uma mulher diferente, uma mulher que precisa de ali deixar toda a sua força.
Na minha cabeça ela é, desde o primeiro instante em que a vi, há alguns meses, Ana de Amsterdam.
(Quando li o que Ana Cássia Rebelo publicou no domingo, dia 2 de Outubro, sob op título 'Rio', resolvi vir aqui escrever isto. Mas ainda hesitei. Escrevo hoje)
(Quando li o que Ana Cássia Rebelo publicou no domingo, dia 2 de Outubro, sob op título 'Rio', resolvi vir aqui escrever isto. Mas ainda hesitei. Escrevo hoje)
Esta é a fotografia que um dia destes lhe tirei.
Mulher, lebre, gazela, touro, deusa, menina atormentada - assim imagino eu Ana de Amsterdam |
[Nota 1: Claro que retirarei de imediato a fotografia caso a pessoa que aqui aparece tal mo solicite, tal como o farei em relação a qualquer das minhas outras fotografias.]
[Nota 2: E não acaba aqui. Desçam até ao piso de baixo, que ali a conversa anda em torno de homossexualidade e do atraso de vida de muita gente]
Ando a descobrir-te Jeito Manso
ResponderEliminare neste percurso autorizado
encontrei a minha figueirinha
onde banhei os filhos
na transparência das águas
e a minha arrábida
onde
então
enamorado
o meu jovem corpo cedeu à sedução
depois tropecei
em Sofia...
ainda há poucos dias lhe deixei flores
(saberás porquê
na casa da Helena de Paris
a vinte e um de Setembro)
Só encontro pedras da praia
na regular visita
mas o que importa mesmo
é a herança da palavra
deliciosamente escrita
ainda assim
vou dizendo versos em surdina
naquele lugar diferente
no alto da colina
onde há lagos e patos e alfazema
e um velho moinho
de velho se arruina
Olá, Era uma Vez,
ResponderEliminarPercorreu as praias limpas e rochosas que têm a serra a protegê-las, gosta de Sophia, tem a poesia dentro de si. Só isso já bastaria para ser aqui muito bem vinda.
Já estive a ver aquilo a que se refere, o teclado em que nos cruzámos, vi a sua bela lembrança da sua irmã.
Lembrei-me: uma vez no Algarve, uma bela rapariga morena, elegante, cheia de vida (apesar da doença que já se tinha feito anunciar) a rir, o centro do grupo, salvo erro um bikini amarelo, à volta da cabeça uma lenço fino creio que também amarelo que lhe caía pelas costas, moedinhas junto à testa como se fosse uma cigana, feliz, solar. E estavam os irmãos e cunhados, tenho ideia que já também alguns sobrinhos. Parecia ter a vida inteira pela frente.
Sei que cantava bem, essa feliz rapariga, mas nunca a ouvi cantar. Não sei porque me lembrei dela, até porque inexplicavelmente não consigo recordar-me do nome dela, mas o seu poema trouxe-ma à memória.
Volte sempre, Era uma Vez, as suas palavras serão sempre especialmente acolhidas aqui neste meu sítio.