quinta-feira, setembro 29, 2011

O dia em Cavaco falou e não disse muito, em que Passos Coelho confessou que antes falou de mais, em que Durão Barroso, o cherne, subiu das profundezas e discursou apoteótico, em que um corretor disse que quem governa o mundo é a Goldman Sachs, em que os professores desfilaram nus, e ainda o meu ex-hamster Sebastião e outras coisas no dia de todos os prodígios


Pois é o que vos digo, meus amigos.

1. Chego a casa e só vejo resumos da entrevista de Cavaco Silva à Judite de Sousa (a quem a idade está a fazer francamente bem). Confesso-vos que não percebi onde é que ele quis chegar. Ora me pareceu um comentador como agora há aos milhares por todo o lado, ora me pareceu que estava a enviar mensagens para a troika, ora me pareceu que estava a tirar o tapete post mortem a Sócrates, coisa que não se faz.

Depois ouvi o comentador de Miguel Sousa Tavares e José Miguel Júdice e confirmaram que, tirando os capítulos em que falou como um professor de economia, o resto foi uma coisa não concretizada, uma coisa do tipo discurso contra os Açores que ninguém percebeu bem o que era aquilo.


2. A seguir vejo, na Assembleia da República, o nosso Pedrito Passos Coelho, que diz o que lhe vem à boca, a dar o dito por não dito sobre a Madeira, confessando que na vez anterior tinha falado de mais. Isto é apenas uma santa ingenuidade ou uma tontice inadequada a um primeiro ministro?


3. Agora estou a ver Alberto João a gabar-se da dívida, a dizer que se orgulha e que abençoada seja a dita.


Mas o dia hoje foi todo assim, cheio de coisas estranhas.


4. À hora de almoço, ia no carro, ligo a rádio e eis que ouço o impensável: um discurso inflamado, apaixonado, grandiloquente, palavras de vibrante tensão, um amor orgulhoso e declarado à Europa, e tudo num francês revolucionário, peito ao vento, mãos mobilizadoras, cabeça erguida. Distraio-me do trânsito, mais à frente abençoo um semáforo vermelho, ouço melhor, mas o que é isto?, parece-me a voz de Durão Barroso… mas os chernes não vibram assim. Levanto o som, apuro ou ouvido. Não precisa de lições, sabemos o que fazer, amamos a Europa, orgulhamo-nos de ser europeus (em francês inflamado). E eu de boca aberta.


É mesmo ele. Durão Barroso, o novo Pavarotti da política, o inflamado bardo, o novo GDECO, o revolucionário, é o sangue a saltar-lhe na veia tal como quando era da velha linha negra do MRPP.


Ele está de volta! O Obama que esconda a mobília que, quando o Durão está possuído assim desta inapelável maneira, é isso que ele costuma fazer: roubar a mobília de quem o aborrece. O camarada Arnaldo de Matos e a Ana Gomes bem nos contaram.

Mas os prodígios de hoje estavam longe de se ficaram por aqui. Passo os olhos pelas notícias e confirmo o meu receio do outro dia.


5. Esta coisa de as morgues não estarem equipadas com aqueles dispositivos que equipam agora uma up-to-date morgue na Turquia é coisa que nos deve preocupar. Vocês acham que estou com humor negro, ou que estou a ficar deprimida, a pensar em mortos e coisa assim. Nada, nada disso.

A questão é que li que, no Brasil, uma mulher de cerca de 60 anos estava morta, na morgue, dentro dum saco e que, sorte a dela, a filha teve que ir lá fazer o reconhecimento. E não é que - surprise! suprise! - a mãe ainda respirava. Lucky, lucky lady.


Não sei se se levantou e se foi pelo seu próprio pé. Sei é que foi para o hospital tratar-se, vivinha da costa.

Mas, quase aterrada, pergunto eu: e os outros? Aqueles que não estão ainda bem mortos e que, precipitadamente, alguém lhes atestou o óbito? E os que ressuscitam? Bolas, bolas, bolas, é que não quero nem imaginar. Acordam, friozinhos, se calhar sem muita força, e ninguém lhes acode, os vizinhos estão ainda piores, não ouvem nada, não dão alerta. E acabam por morrer mesmo, contrariados.

Em contrapartida, com os ditos sensores, alguém dava por isso e ia lá buscá-los. Além disso, se o morto ainda consegue andar, com aquele sistema de portas de abertura fácil, sai pelo seu próprio pé. É uma segurança.

Por acaso, no outro dia, à hora de almoço, vi um homem já com alguma idade, bem vestido mas com ar amarrotado, bengala, andar um pouco dificultado, cabelo branco e meio despenteado pelos ombros, barba branca um bocado comprida, hirsuta, tez ligeiramente amarela, e não tive dúvidas, até comentei, ‘olha, este teve sorte, conseguiu sair’.

«««»»»»  É que há enganos. Conto-vos um que aconteceu na minha casa.

Quando a minha filha era pequena, uns amigos nossos ofereceram-lhe um hamster dentro da respectiva gaiola, com a roda, tudo. Uma festa lá em casa. Os miúdos todos contentes. O hamster era uma alegria. Deram-lhe o nome de Sebastião. Davam-lhe de comer, ele afoitamente, ela mais a medo porque uma vez o Sebastião lhe deu uma dentada, faziam com que ele brincasse alegremente na roda, davam-lhe sementes, raçãozinha. Contudo, para limpar a gaiola tinha que ser o meu marido, que nós ficámos com medo de dentadas. E tinha que ser limpa todos os dias, porque o cheiro da urina era insuportável. O meu marido, aborrecido, ‘Sebastião para aqui, Sebastião para ali, tudo muito engraçado, mas quando toca a fazer o que ninguém gosta, sobra sempre para mim’.


Mas que podíamos nós fazer senão reconhecer o esforço e agradecer?

Até que um dia, tragédia. ‘Mãe, pai! O Sebastião morreu…!’ Lágrimas. Ela aflita, ele curioso. ‘E agora…?’. Lágrimas, ela. ‘Mãe, eu mexi-lhe e vi o Sebastião a esticar as pernas’. E eu, didáctica, ‘Chama-se esticar o pernil’. E lá estava o Sebastião, de olhos fechados, deitado de barriga para cima, perna aberta. O impudor da morte. Constatada a infeliz ocorrência, eu, maricas - ver animais mortos faz-me impressão - fui para longe. Pragmático, o meu marido ‘Agora o quê? Agora deita-se fora.‘. Isto um dia de semana à noite. Lágrimas, ‘Não, não se deita fora, coitadinho do Sebastião.’. Sugeriram um enterro, um momento de recolhimento, dignidade. Mas o meu marido, ‘Claro que se deita. Havíamos de ir agora de noite não sei para onde, às escuras? Num jardim público, íamos escavar num canteiro? estão malucos? Ou quê, ir para um pinhal às escuras, no meio da noite? Nem pensar’. E resoluto. ‘Não se preocupem, que eu trato do assunto’.

O prédio tinha conduta para o lixo e de noite o lixo era recolhido. E assim, enroladinho e fechadinho num saco, o Sebastião lá foi conduta abaixo. Lágrimas. Lágrimas.

Nesse fim de semana participámos o óbito aos padrinhos, isto é, aos amigos que tinham oferecido o Sebastião. Gritos, ‘Totós! Não está nada morto, está a hibernar, os hamsteres hibernam assim.’ E nós, cabisbaixos, ‘Não me digas! Credo… Coitado do Séba’ e as crianças petrificadas, ‘E agora…?’. Consternação. Pois, ‘Agora já não há nada a fazer…’.

Até hoje, ela não se conforma e a mim ainda me custa pensar no que fizemos. Precipitações nestas coisas dão disto.


Mas nestes dias de prodígios, não temos notícia só de um ou dois. Não senhor, Saltam, é às catadupas.

6. Na BBC, para perplexidade da entrevistadora e de quantos estavam no estúdio, um corretor, Alessio Rastani, declarou que crise é do melhor que há para eles, os corretores, os especuladores. Mais: que sonha todos os dias com a crise, que bom que é, tanto dinheirinho fácil que se ganha. Os da BBC de boca aberta, nem queriam acreditar, ‘querem lá ver que isto é para os apanhados…’. E o Alessio rematou, ‘Quem é que pensam que governa o mundo? É a Goldman Sachs!’.

Ou seja, uma má notícia para o Miguel Relvas e respectivos subordinados do governo que, coitados, pensavam que aquilo que andam a fazer há 100 dias é governar.


Muitos se têm interrogado: será que Alessio é mesmo corretor? Será algum cómico de serviço (Yes-Man)? Até ver, parece que é mesmo a sério, que é isto em que genuinamente acredita e até tem um blogue em que opina sobre estes e outros assuntos.


Pronto, já chega, dirão vocês.


7. Não, senhor: ainda há mais. Mas agora é um apelo ao Mário Nogueira, essa grande figura do professorado nacional. Na próxima vez que forem para a rua manifestar-se, como prova de solidariedade para com os colegas franceses, ‘professores de todo o mundo: uni-vos!’, acho que o dress code deve ser: 'underware, sff' ou 'lingerie, sff ' ou 'full naked, if you please'.

Professores manifestando-se contra as políticas francesas
Dizem que as austeridades estão a deixá-los assim, sem dinheirinho nem para a roupinha

Nunca fui a nenhuma manifestação mas a essa juro que vou assistir. É que tenho curiosidade em ver se o Mário Nogueira os tem no sítio. (Pardon my french)


Ainda tinha mais para desabafar mas, pronto, não vos maço mais. Tenham um bom dia, meus Amigos.

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Mas, meus Amigos, para que o dia seja ainda melhor, venham comigo até ao post abaixo para dali seguirmos até à
MÚSICA NO GINJAL
Hoje a convidada é Natalia Osipova, uma flying lady on fire.

4 comentários:

  1. Nada d'ilusões; o dr Obama não tem que se preocupar. O rapaz com alma de grande peixe, já no tempo da marcha com bandeira que ilustra o seu artigo, era candidato a 'empregado da CIA'. Por via indirecta, claro... que não tinha essa ambição nem nunca teve perfil para andar aos tiros aos líbios, como se sabe hoje (claro...) mas o recrutamento é o mesmo. Foi.

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  2. Fico eufórica com a sua escrita.
    É tão pão pão, queijo queijo, que dou por mim ao seu lado a viver as suas aventuras.
    Mas, jeito manso, fiquei muito transtornada com aquela do Sebastião.
    O que aquela alminha deve ter sentido? Estes afinal não gostavam de mim; foi uma sorte para eles eu "fingir" ter morrido, etc,etc.
    Se não fossem estas coisas como é que pintávamos de côr o cenário cinzento que estamos a viver no nosso país?
    Grande abraço

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  3. Olá, Teresa-Teté,

    Sabe que eu, quando aqui me sento a escrever venho sem saber bem sobre o que vou escrever e, muitas vezes, penso falar a sério sobre aspectos que me preocupam.

    Mas, à medida que vou escrevendo, vai-me começando a apetecer gozar, rir-me, aligeiras, livrar-me de ralações. E, às tantas, dou por mim a conter-me para não ser inconveniente.


    Quanto ao Sebastião. Foi uma crise doméstica, um desgosto para os miúdos (mas aqui só para nós... acho que, para o meu marido, foi um alívio... o que ele se chateava po todos os dias ter que limpar a gaiola, que o Sebastião era cá um mal-cheiroso... Espero que ele não leia este meu comentário...)

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  4. Pirata,

    Você é cá um radical... Seria da linha vermelha, rival dos da linha negra...?

    Então agora que ao nosso comissário se lhe soltou a verve é que você está a denegrir a sua motivação... Ora, ora.

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