quarta-feira, agosto 10, 2011

Portugal em situação de grande fragilidade e em tão fracas mãos, Inglaterra on fire, o euro em risco, políticos de mão cheia não os há - o mundo, meus amigos, está a ficar um lugar muito perigoso


Pintura numa parede do jardim do Ginjal, a inquietação sangrenta

Tempos como os que atravessamos prenunciam fracturas de regime.

Fracas classes dirigentes, constituídas por gente muito impreparada, muito inculta, pouco respeitada; o poder muito disseminado assente em precários equilíbrios; descontrolo das contas públicas; recessões sem fim à vista, cortes nos benefícios, nos subsídios, aumentos em bens essenciais, riscos ainda maiores no horizonte, ausência de esperança: um caldo explosivo.

A nível europeu foi criada uma moeda única quando as discrepâncias a nível de desenvolvimento nos vários países eram enormes, não sendo criados mecanismos mandatórios de convergência.

Uns anos decorridos, o resultado está à vista.

A moeda única agora é um espartilho que impede que se introduzam correcções monetárias – e os desequilíbrios mantêm-se ou pior, agravam-se. Parece ser uma equação insolúvel para os países em dificuldade. Não há uma política europeia única que estabeleça uma gestão global e que colmate desequilíbrios e cada país, de per se, não tem possibilidade de introduzir correcções porque, justamente, a moeda é só uma.

João Ferreira do Amaral vem dizendo (e esta semana Desmond Lachman, ex-director adjunto do FMI, diz o mesmo): só saindo do euro.

[Como é óbvio, o problema é estrutural e a um nível macro, nem sequer é nacional – ou seja, não tinha a ver com Sócrates, tal como agora não tem que ver com Passos Coelho]

E a questão não está apenas entre nós. Vê-se que a Irlanda, que há pouco tempo era o exemplo a seguir, foi ao chão antes de nós; a Grécia, enfim, é o que se sabe; Chipre, está sem força nas pernas; mas agora economias (relativamente) fortes como se supunham ser Itália e a Espanha estão, pela dimensão do risco que está em cima da mesa dos ‘mercados’, a causar o pânico em Bruxelas. A própria Bélgica não está bem. E, na Alemanha, uma economia robusta, a bolsa tem estado a cair mais do que o justificável.

E o grave é que, face a este descalabro, constatamos que, na Europa, ninguém manda de forma inequívoca.

Trichet diz uma coisa e os alemães dizem o contrário Rompuy diz uma coisa e Merkel e Sarkozy combinam outra diferente por trás, e Merkel - que bate o pé fora de portas - pia baixinho dentro de casa.

E os Estados Unidos, o grande motor económico, nadam agora com toda a força a ver se mostram bem a cabeça fora de água, depois do susto de ficarem a nadar em seco se não tivesse havido aprovação para se continuarem a endividar ‘à grande e á francesa’ – mas isto com Obama, presidente democrata, que é um homem com inegáveis características de liderança, totalmente refém do senado conservador.

Em lado nenhum há alguém que verdadeiramente mande.

A oriente, os chineses dão sinais de agitação porque se o ocidente arrefece, lá se vão as exportações e se o ocidente deixa de pagar lá vão eles também ao tapete.

Do outro lado, temos a Venezuela em risco de bancarrota, o México com a bolsa a causar nervoso miudinho aos investidores.

A juntar a estas perturbações, temos a agitação social que começa a incendiar os ânimos.

Há dois anos, as ruas de França andaram a ferro e fogo, agora é a Inglaterra. Não junto a isto epifenómenos como o Breivik, o norueguês assassino, porque acho que isso foi, mais que tudo, um acto de uma pessoa perturbada.

Pintura numa parede - Inquietação

Uma vida sem esperança, uma vida sem futuro

E, assim, vamos assistindo ao grassar da inquietação sem nome, por cá foram os deolindos, depois os revoltados nas praças espanholas - e o descontentamento vai grassando e, como sempre acontece quando o caldo aquece, lá aparecem as pilhagens, o vandalismo, a arruaça mais primária. 

Inglaterra nos dias que correm não é a fleumática terra de Sua Majestade mas o palco urbano em que jovens marginais do subúrbio, desocupados, desenquadrados, se entregam ao roubo de electrodomésticos, material de desporto, e, animados pela impunidade, entusiasmam-se e vão ruas afora a incendiar, a agredir bombeiros, polícias.

Do lado árabe, depois das revoluções brancas, do jasmim, a revolta popular chegou à Líbia e à Síria e aí as coisas mudaram de figura: as ruas estão sujas de sangue e sabe-se lá quando e como vai acabar.

Apesar dos sustos indirectos, escapam, por enquanto, a estes sobressaltos económico e financeiros e mesmo sociais os BRIC’s que se encontram na linha ascendente do desenvolvimento mas que, por outro lado, sofrem com as assimetrias, com a corrupção e com situações que são típicas de sociedades em que dinheiro fresco circula por uma classe dirigente recente, new comer, nouveau-riche.

[Por exemplo, notícias de ontem dão conta que no Brasil : "a Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça-feira uma operação no Ministério do Turismo que resultou na prisão de 38 pessoas, entre elas o secretário-executivo da pasta, Frederico Silva da Costa.A relação de presos inclui ainda o secretário nacional de Desenvolvimento de Programas de Turismo, Colbert Martins, e o ex-presidente da Embratur Mário Moysés. Apelidada de Operação Voucher, a ação foi realizada em conjunto com o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal. Os envolvidos serão indiciados por formação de quadrilha, peculato e fraudes em licitação"]

Por isso, de uma forma ou de outra, são todas as geografias que oscilam, um pouco como quando há ajustamentos nas placas tectónicas.

A velha divisão entre os regimes de leste e os regimes capitalistas e correspondentes regimes agregados, caíu com o muro de Berlim e uma nova ordem parece estar para aparecer.

O que vivemos agora é, em meu entender, o interregno em que uns acordam e outros já não têm forças para andar e em que se ensaiam, com amadorismo e medo, alguns modestos passos a caminho não se sabe ainda de quê.

Pinturas nas paredes do Ginjal - caveiras.


No morro, numa altura incessível, apareceu agora escrito ANONYMOUS
(NB: Este grupo anónimo, que apela à desobediência civil, ameaça agora, entre outras coisas, destruir o Facebook em Novembro)


É nestas alturas que costumam emergir movimentos totalitários que tendem a ser bem aceites por parte das populações. Tomara que não seja isso que vai acontecer dentro de algum tempo.

Seria bom que surgissem Estadistas de mão cheia para redesenhar um novo equilíbrio - mas há tão poucos ou estão com idades avançadas, cansados para tão arrojada e exigente empreitada.

Isto preocupa-me. Um retrocesso civilizacional pode estar para acontecer.

(Como dizia Sophia, que sítio tão frágil este mundo.)


PS:  Esta inquietação toda é deprimente. Por isso, por favor, para aliviarem a mente, deslizem até ao post abaixo: Ingres, Man Ray, odaliscas, violinos e uma mulher à beira Tejo, ao entardecer, são, certamente, melhor companhia que eu...

4 comentários:

  1. Muito bem 'resumido'.
    Excelente texto!
    Nada de ficar triste, se bem que a realidade é, de facto, muito preocupante.
    Sempre existiram problemas, conflitos, sustos.
    A ver vamos...

    ResponderEliminar
  2. Claro, Margarida, e apesar das crises, conflitos e guerras, o mundo ainda 'pula e avança'.

    Mas, na presente conjuntura, há uma conjugação de crises e uma generalização ao longo de várias geografias e a sua resolução careceria de um golpe de asa, de uma tomada de posição a envolver risco e concertação de factores e, muito sinceramente, Não estou a ver condições para que isso aconteça.

    Os intervenientes na 'arena política' são demasiado 2ª escolha para darem conta de tão grande recado.

    Façamos figas para que a coisa não piore muito mais e que não descarrile dos caminhos da democracia.

    ResponderEliminar
  3. Bom, como o Professor Ferreira do Amaral escreveu há uns dez anos (cito de cor), "a política financeira seguida pelos governos portugueses ou é de ignorantes ou de aprendizes de feiticeiro".
    Antes de se pensar no que fazer, sair ou não sair do Euro, seria útil que4 os Euroentusiastas viessem dar a mão à palmatória dizendo "ó malta, desculpem lá, enganamo-nos e mandamos o país para o caixote do lixo"...
    É que só reconhecendo que foi cometido um erro é que se pode ter a distanciação necessária para se pensar no que fazer.

    ResponderEliminar
  4. Caro 'Raio',

    Boa memória a sua. Sabe, eu sou mais desprendida: se o mal está feito, não vale a pena chorar sobre o leite derramado, agora é seguir em frente e ver como remediar.

    Mas você é capaz de ter razão. Se não paramos para pensar, para avaliar quem é que, apesar de ser contra a corrente, soube identificar um problema que outros, só depois de o sofrerem na pele, é que reconheceram, nunca vamos ser capazes de separar o trigo do joio.

    Não sei, ando apreensiva, desiludida com o rumo disto tudo.

    Mas, olhe: gostei de ler o seu comentário.

    Volte sempre.

    Também já fui dar uma espreitadela ao seu cabalístico blogue e vou depois conhecer com mais calma.

    ResponderEliminar