segunda-feira, junho 06, 2011

José Sócrates demite-se: a despedida muito digna de um homem corajoso e o merecido descanso do guerreiro


A derrota do PS foi mais pesada do que se esperava. José Sócrates deve ter sentido esta derrota com mais pesar do que ninguém.

Independentemente da opinião que sobre a sua governação se faça (e o final do 1º governo e este 2º governo não foram, de facto, famosos - mas sejamos honestos e reconheçamos que este período coincidiu com o despoletar da crise internacional, que fragilizou todos os paises e, em especial, os menos desenvolvidos à época da entrada no euro), há que reconhecer a fibra fantástica, quase sobre-humana, deste homem.

Tentaram, de início, lançar uma campanha injuriosa que tinha por base a sua sexualidade, tentaram depois afundá-lo no lodaçal que foi a encenação do Freeport, depois foi a descoberta da forma como se licenciou e os projectos que assinou (e, sendo isto condenável, reconheça-se que é preciso 'estômago' para continuar a governar com vigor, enquanto o seu nome era enxovalhado e a sua vida devassada), foi acossado pela comunicação social como ninguém antes (lembre-se a perseguição sem tréguas que, por exemplo, Manuela Moura Guedes lhe moveu), depois a crise financeira internacional que se abateu sobre o país, tendo que governar em minoria, sem uma base de apoio parlamentar, com uma oposição hostil, com os buracos do BPN, do BPP, com as agências de rating, quais abutres, a abocanharem as finanças e a economia portuguesas, tanto, tanto problema, e sempre sem o apoio do Presidente da República, depois os PECs e quando tinha conseguido o apoio de Bruxelas, foi apeado do governo. Não é qualquer um que aguentava uma caminhada tormentosa como esta.

E, sempre a cair de pé, eis que Sócrates encontra forças físicas e anímicas para se meter em nova campanha eleitoral, a percorrer o País de ponta a ponta, para debates, para comícios, para arruadas, rouco, transpirado, mas sempre disposto a ir à luta.

Ao longo destes 6 anos, até hoje á noite, Sócrates, firme e a olhar de frente, nunca deu mostras de fraqueza ou desânimo. Estudava os dossiers como ninguém, excelente tribuno enfrentava o parlamento com vigor, apresentava o país com optimismo aqui e lá fora, tentando vender uma boa imagem, tentando vender produtos onde fosse preciso, tentando encontrar apoios financeiros onde calhasse, fazendo de tudo para que o país ultrapassase sozinho os problemas com que se debatia. Um lutador ímpar.

Hoje esta luta chegou ao fim.

Entrou na sala do Altis e à sua passagem a pressão dos jornalistas fez partir uma porta de vidro. Mau augúrio, terão dito os supersticiosos. Sócrates, ao ouvir o estrondo e os estilhaços deteve-se por um segundo mas seguiu.

E fez um discurso corajoso, muito digno. Reconheceu a derrota. Cumprimentou Passos Coelho. Pediu aos socialistas para darem os parabéns ao PSD e ouviu-se na sala uma salva de palmas. Agradeceu a todos os que lhe permitiram durantes estes 6 anos servir o País. Agradeceu aos colaboradores que tanto o ajudaram. Agradeceu aos filhos a quem privou de convívio estreito durante tanto tempo. E conseguiu sorrir e parecer tranquilo. Conseguiu responder a perguntas dos jornalistas (e conseguiu manter-se cortês até para uma menina impertinente e mal educada), conseguiu manter-se inteiro enquanto as lágrimas assomavam aos olhos dos que com ele de perto trabalharam, como foi o caso de Pedro Silva Pereira.

Suando em bica, a voz a fraquejar ao de leve uma ou outra vez para logo retomar a coragem, o rosto sereno, não deve ter sido sem alguma dor que assumiu que chegado estava o fim da sua longa luta. Mas foi com muita tranquilidade que anunciou que se vai retirar da vida pública, que vai voltar a ser um militante de base.

Um leão que se retira.

A história ajuizará sobre o período de governação Sócrates.

Agora assistiremos ao período de graça de Passos Coelho, os media que o trouxeram ao colo até aqui, poupá-lo-ão. Mas os media têm que vender e, para vender, há que ter factos novos. E assim, dentro de algum tempo, os mesmos media começarão a fazer a Passos Coelho o que até aqui fizeram a Sócrates. A rua encarregar-se-á de fazer o resto.

E, assim, dentro de 1 ou 2 anos, estaremos a recordar a coragem de Sócrates, o optimismo de Sócrates.

E, os que forem justos, talvez nem precisem de esperar tanto tempo. Basta que comparem o discurso digno e corajoso de Sócrates, hoje que se demitiu, com o discurso ressabiado de Cavaco Silva quando tomou posse. É nestes momentos que se consegue avaliar a dimensão dos homens.

Da minha parte, sinceramente desejo a José Sócrates boa sorte na sua nova vida. Desejo que consiga, finalmente, ser um homem com uma vida normal, simples e feliz (como o ouvi desejar há dias). Bem o merece.



PS: De novo volto a referir aos que não se lembram que escrevo muito e que, ao acabar de ler o post, pensam que foi só isso que escrevi. Não, abaixo há mais.  Ali se fala de Passos Coelho, o futuro Primeiro Ministro, e de uma historinha passada em Alcântara.

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