quarta-feira, abril 20, 2011

Medina Carreira em entrevista a Ricardo Costa no Expresso - a verdade dos números ou quando a política não deve subestimar as análises técnicas rigorosas. Ou quando os que hoje mais clamam pelo Estado Social são os que mais fundo cavam a sua sepultura

Na gestão de um país, tal como na gestão de qualquer organização, há aspectos que são técnicos, não políticos.

Para os gerir requer-se competência técnica e não política.

Nestes domínios, a questão política deve aparecer apenas quando, para um problema, há várias soluções possíveis e é preciso escolher uma de entre várias.

Por exemplo, se é preciso acorrer a uma área imprevista e é necessário dispor de 100 milhões de euros que não existem, entrará a componente política decidindo se, apesar disso, vão acudir ou se vão explicar que não é possível, e, em caso afirmativo, onde preferencialmente se deverão ir buscar esses 100 milhões. Claro que mesmo nesse caso, o decisor político deverá estar secundado por um técnico pois, por exemplo, se decidir ir buscá-lo aos bancos, o técnico financeiro poderá alertar para a não existência de linhas de crédito disponíveis, ou, se decidir ir buscá-los a um novo imposto, o técnico jurídico poderá alertar para a inconstitucionalidade dessa opção.

São apenas exemplos mas ilustram o que se passa no dia a dia.

No entanto, há aspectos há em que a primeira avaliação tem que ser técnica, objectiva.

Medina Carreira de há muito vinha alertando para a situação ... e nós não o quisemos ouvir

Olha-se para os gráficos que ilustram a entrevista de Ricardo Costa a Medina Carreira no Expresso e qualquer técnico vê, inequivocamente, o desastre que ali está. Nem é preciso nenhuma análise complexa.

A leitura visual do descalabro

O acentuado crescimento da despesa que se pode ver no gráfico apenas seria suportável num contexto de brutal crescimento económico, de brutal crescimento demográfico: nessas circunstâncias haveria um salto na entrada de receitas quer por via de impostos sobre uma actividade económica fulgurante, quer por via de um salto acentuado de novos contribuintes.

Ora nada disto se verifica: a demografia portuguesa está a cada vez mais decrépita (as pessoas vivem, felizmente, cada vez até mais tarde; e nascem cada vez menos crianças) e a economia definha, dia após dia.

Como Medina Carreira refere, e muito bem, são 6 milhões de pessoas a viverem, directa ou indirectamente, à custa dos impostos e contribuições dos que ainda conseguem descontar.

Ou seja, estamos perante realidades matemáticas contraditórias. O break even point há muito que ficou para trás mas, ao invés, de estarmos a caminhar no sentido da sustentabilidade, estamos a andar para trás, a caminho do ponto de implosão daquilo a que chamamos estado social. Por um lado, cada vez maiores necessidades, e, por outro, cada vez menos disponibilidades – isto é: uma impossibilidade aritmética.

E isto é uma constatação objectiva.

Não vale a pena agitar bandeiras a favor do estado social, ou ‘fascismo nunca mais’, ou ’25 de Abril sempre’, ou ‘o povo unido jamais será vencido’, ou 'FMI fora de Portuga'l, porque o problema é aritmético, não é ideológico.

Só depois desta compreensão é que deverá entrar a política: ou seja, tendo-se visto qual o perigoso trilho que se está a percorrer, haverá que enfrentar de frente a questão e explicar que, não havendo para todos, imperioso será reequacionar a questão e equacionar alternativas – ou abranger menos beneficiários ou abranger os mesmos mas com menos retribuição ou um misto de ambas.

Claro que a política de longo prazo e a macroeconomia deverão andar a par e passo nas grandes decisões.

Ter 60% de beneficiários contra 40% de contribuintes é manifestamente uma inequação de um desequilíbrio insustentável. Logo, a primeira medida de fundo deverá ser uma redistribuição de fundo: progressivamente será indispensável desviar uma percentagem significativa de beneficiários para a economia real. Daí que seja indispensável reduzir o peso do estado e injectar recursos (incluindo os humanos) na economia.

Depois rever as fórmulas de cálculo das pensões e subsídios (instituir um plafond? não pagar 14 meses por ano? rever a relação entre o que se descontou e o que se prevê usufruir? – são hipóteses que devem ser objecto de cálculos de tipo actuarial e de simulações matemáticas antes de se avançar para a discussão política). Rever todo o esquema de diuturnidades, anuidades, progressões na carreira - é outra área a rever. Tem que se travar a subida da despesa para além daquilo que a receita consegue comportar.

A questão da pesada dependência das importações, que leva ao desequilíbrio da balança de transacções externas, a questão do sobre-endividamento das famílias e das empresas (convém lembrar que a política fiscal em vigor favorece a alavancagem financeira, conforme já referi em posts anteriores) – são outras questões que devem ser igualmente analisadas, mas sempre, em primeira mão, sob uma perspectiva desapaixonada, técnica, objectiva.

Uma outra área que neste momento está a introduzir uma nova parcela de preocupação é a dos juros da dívida. Mais juros representam mais despesa e juros cuja percentagem seja superior à do crescimento económico mais inflação são incomportáveis. Ora é o que se está a passar: os juros hoje são já o triplo ou mais do que é possível pagar.

[Não vale a pena voltar a referir com detalhe que o excesso de voluntarismo, o 'orgulho besta', a cegueira obstinada de Sócrates - não sendo capaz de perceber o abismo intransponível para que caminhavam as finanças nacionais, não sendo capaz de perceber que só com ajuda externa lá iríamos, a dilação na decisão de a pedir - agravou ainda mais a frágil situação financeira do País]

E convirá explicar tudo de uma forma muito clara, com exemplos reais, apresentados de uma forma muito simples para que as pessoas todas percebam o que se passa.

Conversas de Jerónimos, de Louçãs, de Relvas, de Dragos e quejandos que, de forma populista, se aproveitam do desconhecimento dos problemas por parte do grande público e que manipulam as pessoas tirando partido dos seus medos, das suas preocupações, são lastimáveis e deverão merecer o repúdio de toda a gente.

Face ao estado em que nos encontramos, sentados no degrau da igreja a puxar pela aba do casaco de quem passa, a pedir uma esmolinha, acho que é mais do que chegado o tempo do pragmatismo, do rigor, da competência.

Políticos sem curriculum (como Alexandre Soares dos Santos no outro dia referiu na entrevista a Fátima Campos Ferreira) são perfeitamente escusados nos tempos que correm.

Nota: O post já vai longo. Não vou, por isso, falar da cobardia do PCP e do BE ao esquivarem-se a conversarem com a troika negociadora. Lastimável.

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