quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Receita de homem especial (ou seja, a special man, not a commodity man)


Em dois posts anteriores - que têm tido um número inusitado de visitas - Receita de Homem e Adenda teórica e alguns Casos Práticos enunciei os principais requisitos para que um homem seja interessante.

Contudo, para ser honesta para convosco, tenho que confessar que o que ali refiro é, para mim, o patamar mínimo. Com aqueles predicados estaremos apenas na presença daquilo a que poderemos chamar homens-commodities (no mundo dos negócios uma commodity é uma mercadoria vulgar, que tem procura, mas uma procura indiferenciada; petróleo é petróleo, açúcar é açúcar, não são produtos em que o design, a embalagem ou a qualidade intrínseca distinga uns de outros; a escolha geralmente é feita apenas por preço). Inteligência, sentido de humor, ser bom amigo, ter charme, etc e tal, são essenciais, sem dúvida, mas só por si não chegam para que um homem se transforme, aos olhos de uma mulher (exigente), nO homem.

Brad Pitt, inequívoco

Qual é então o predicado que torna um homem especial? Pois, é difícil explicar. Para o definir, teremos que entrar no domínio das partículas elementares, teremos que falar de um intangível quantum (passe a redundância) que faz toda a diferença. E não será apenas um, serão alguns. A arte de saber dirigir um olhar transversal, sabendo fixar o olhar da mulher por um momento infinito (parece uma contradição mas não é), a arte de saber confrontar a mulher com ela mesma mas de uma forma não litigiosa mas também não indulgente - enfim, pequenas coisas essenciais que, conjugadas de uma forma harmoniosa e única, se traduzem no 'terroir', no 'bouquet' que caracteriza inequivocamente um homem.


Sergio Batista, seleccionador da Argentina, not a commodity, for sure



Mas o principal não é isso. O principal, o que verdadeiramente acrescenta aquele distinguo que vale uma vida é outra coisa: é a sabedoria toda feita de intuição que permite distinguir um não que é um definitivo não, de um não que não passa de um velado convite ao sim.

Se uma mulher quer uma coisa mas não quer, ou não lhe apetece confessar, dirá que não. Se o homem acatar, estará perdido. Terá, portanto que perceber que terá que abrir portas, vencer resistências (aparentes mas resistências na mesma), desobedecer, arriscar, até que todas as portas se lhe abram, talvez para sempre (sendo que, nestas matérias, 'sempre' é apenas o momento enquanto dura)

Mas, se a mulher, de facto, não quer e diz que não e o homem não o perceber, estará igualmente perdido porque não passará de um melga insuportável (ou, nos casos limites, de um violador).

Há uns anos, tantos!, vi um filme extraordinário. 'La condanna', 'The conviction' em inglês, de Marco Bellocchio com a sensual Claire Nebout e o carismático Vittorio Mezzogiorno (que infelizmente morreu cedo).




A história é simples e vou contar tal como a recordo quase 20 anos depois: numa tarde, numa Itália dourada, uma rapariga visita um museu antigo (tipo castelo ou instalado num castelo) na companhia de amigas. O professor de arte, um arquitecto, também visita o museu e o seu olhar cruza-se com o dela. Naquele suave entardecer paira um ambiente de sedução através do olhar.

Quando o museu vai fechar, a rapariga repara que não tem o casaco e volta, sozinha, para o procurar. O professor segue-a e nós achamos que ela o percebe. Quando a rapariga dá por isso, o museu já fechou e eis que, sem surpresa, surge o professor. Procuram, sem se esforçarem muito, uma porta aberta. Não encontram mas isso deixa de ser fundamental. A atracção é crescente. Vão vendo o museu, há sorrisos no ar, há um desejo crescente. Percorrem os corredores desertos, apreciam a pintura mas todo o interesse está na aproximação física que se começa a desenhar como inevitável. Numa sala há uma cama perto de um quadro (Maja desnuda?), recriando o cenário. Ele sugere que ela se deite na posição da maja. A sensual Claire deita-se então, e é uma mulher bela e ardente que tenta um homem, que deseja um homem. Vittorio olha-a e fica encantado com a beleza sensual da jovem. Beijam-se e ele leva-a a atingir o orgasmo (e nós, que vemos de fora, sentimos que ele lhe quis oferecer esse prazer quase inicático). Ela nada lhe faz, está quase passiva recebendo esse prazer, nem ele procura qualquer satisfação para si próprio: a ideia com que ficamos é que proporcionar prazer à rapariga é o único propósito dele. Ela ao princípio vai dizendo 'não, não' mas di-lo de uma forma que a nós nos soa pouco convicto, quase como 'não pares'. Ele continua e ela vai também continuando a dizer que não até que deixa de o dizer e se deixa levar, e nós assistimos à sua fantástica expressão de prazer. Depois fica feliz, apaziguada.

De madrugada voltam a procurar a saída e ele vai até uma porta que se abre e ela fica admirada pois verifica que lá ficaram de noite desnecessariamente.

Nessa manhã, mais tarde, ele recebe a acusação: ela, com a sua mãe, tinha apresentado queixa de violação. A mãe, as colegas, a família, a comunidade escolar, todos se viram contra o homem mais velho que violou a jovem indefesa. É o escândalo. É a infâmia que se abate sobre o professor.

Quase todo o filme se passa, pois, no tribunal. A rapariga invocando que tinha dito que não, que tinha sido vítima de violação. Ele explicando que ela tinha dito que não, em palavras, mas que o olhar, a expressão corporal diziam que sim - e que compete a um homem saber perceber isso. Toda a sua defesa se faz em torno dessa indizível contradição e da intuição para a descodificar e que, nisso, reside o poder do homem. E o seu carisma, a força do seu olhar, a sua virilidade intrínseca, vão levando a que toda aquela comunidade comece a mudar o julgamento moral. As mulheres que assistem à sua explicação vão sentindo que ter na sua frente um homem assim, que as perceba sem que elas tenham que explicitar, que as leve até onde elas querem ir, não o querendo assumir, é tudo o que anseiam num homem. A masculinidade na sua essência mais pura.

Dois personagens paralelos do filme são o advogado (de defesa da rapariga?), muito moralista, casado com uma mulher muito esposa, um casamento muito certinho, muito imaculado,  e a sua esposa que se orgulha muito do marido e do seu irrepreensível casamento.

Contudo, aos poucos, ao ouvir o professor-arquitecto, a esposa comportadinha e feliz vai antevendo uma outra forma de se ser homem, muito diferente do que conhece no marido. E começa a achar o marido um insuportável maçador. Ouve deliciada as palavras do professor no tribunal e, mentalmente, vai sentindo um imenso tédio em relação ao marido.

Numa cena fantástica, os dois têm uma discussão, coisa até então rara entre eles. O advogado não percebe a transformação que se tem vindo a operar na mulher (coisa típica nos homens desinteressantes, nunca percebem nada). No fim da zanga, a mulher diz-lhe, fria, seca, definitiva: 'Vou-me embora e livra-te de vires atrás de mim'. Infeliz, o marido ali fica abandonado. A mulher vira costas e vai. E ele, triste, triste, ali fica, com vontade de ir atrás dela mas não o fazendo, tal como ela lho tinha ordenado. Enquanto isso, ela vai avançando, esperando que ele a persiga, a retenha, a impeça de se ir embora, o passo vai abrandando, aguardando, mas ele não vem. Não foi capaz de perceber que o não dela era apenas um desafio para que ele provasse que a queria mesmo. E ela, com a atitude frouxa e imperdoável por parte do marido, comprovou que, de facto, aquele não era o tipo de homem que ela, entretanto, aprendera a apreciar e, assim sendo, segue decidida, rumo a outra vida.

E assim é.

Aprende-se isto? Para os homens que me lêem e se interrogam 'mas como adivinhar o que as mulheres querem?' apenas lhes posso dizer que, em minha opinião, isto é genético. Na compreensão da vontade implícita não-expressa, ou mesmo contraditória, da mulher há que ter intuição, sabedoria, sensibilidade e bom senso, coragem, gosto pelo risco, humildade, irreverência, atenção, obediência e desobediência, altruísmo ... enfim, ingredientes que têm que ser usados em doses homeopáticas, num equilíbrio sem rede.

E quem não nasceu com o dom de ser especial? Bom, não é grave. O que não falta são mulheres pouco exigentes.

Mas talvez também se possa aprender. Nesse caso sugiro que, com uma mulher paciente, o homem  use a metodologia tentativa-erro, até acertar.

Nesta vida há solução para tudo.

Fui clara?

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