Penso que será esta a última vez que me refiro ao assunto que tanto nos abalou: o assassinato de Carlos Castro alegadamente pelo jovem modelo Renato Seabra em Nova Iorque, de uma forma trágica e algo macabra (se é que há homicídios que o não são).
Faço-o por uma razão. O primeiro post que escrevi sobre o assunto recebeu um número invulgar de visitas e vários comentários, muitos dos quais não publiquei porque são claramente homofóbicos. Publiquei apenas um para poder responder, por ele, a todos os que manifestaram quase apreço pelo acto tresloucado de Renato, como se fosse legítimo e até salutar matar homossexuais.
Se o que escrevi nesse post ou nos que escrevi depois (Império dos Sentidos e Taxi Driver) não ficou bem claro que lamento o crime, então expliquei-me mal. Retirar a vida a outra pessoa é, só por si, um acto tremendo que não pode ser aceite. E não pode ser aceite seja qual for a raça ou orientação sexual da vítima. Ninguém pode ser responsabilizado pela sua própria raça ou sobre a sua própria orientação sexual. Tal como não se escolhe ser heterossexual, também não se escolhe ser homossexual, nem é uma doença que se apanhe, nem é um mau hábito, nem é influência de más companhias. A mesma coisa se passa com a raça. E isto é tão óbvio que é até la-paliciano eu estar a escrever isto.
Por isso, como compreender esta raiva estranha de quem aplaude quando algo de mau acontece a um homossexual?
O que eu pretendi transmitir é que imagino que o que se passou foi a rutura emocional, a rutura nervosa, uma fractura no limiar da loucura por parte de Renato Seabra, um Face Model, um jovem desenraizado do seu meio, um jovem antes habituado a uma vida simples, oriundo de uma terra pequena de província, com namorada, hábitos desportivos, um jovem de profunda educação católica (que condena as práticas homossexuais), um jovem imaturo que, teve a infelicidade de imaginar que conseguiria controlar uma situação ambígua saindo dela ileso, que, inexperiente, achou que poderia iludir Carlos Castro aproveitando a sua movimentação nos meios sociais ligados à moda, que achou que poderia alimentar a paixão exacerbada e ficcionada deste sem ter que dar nada em troca. Que teve a triste sina de se tornar a fantasia amorosa de um homem que, como referiu Guilherme de Melo, seu amigo, era um romântico infantil mas, simultaneamente, quando se apaixonava, compulsivo, obsessivo, ciumento.
Que, certamente cansado, sem dormir, exausto e assustado com o que se estava a passar, revoltado sobretudo consigo próprio, envergonhado de uma forma insuportável, sem forma de apagar a sua própria conduta que contrariava todos os seus valores, sem ter capacidade para gerir a situação (que ele próprio tinha alimentado), sem ser capaz de lidar com a situação de ter a seus pés um homem de 65 anos apaixonado, ciumento, obcecado, perdeu a razão e tentou desfazer tudo o que o vinha 'perseguindo': a visão do homem que o adorava, o sexo do homem que o desejava, a vida do homem que queria viver para ele. Agrediu-o, asfixiou-o, desfigurou-o, castrou-o, provavelmente querendo, dessa forma, apagar da sua vida aquilo que mortalmente o humilhava e envergonhava.
Outra coisa que me perturbou nisto: vi o jovem no concurso da televisão À procura do Sonho e, como disse antes, era um rapazito tranquilo, via-se que queria aprender e que era humilde. Sorria com afabilidade. Como foi possível que, num momento de tresloucura, tivesse perdido a noção de tudo, de modo a tornar-se um animal acossado, agressivo, perigoso, mortífero?
Temos todos nós dentro de nós estes demónios que, em situações limites, saem e tomam conta de nós?
Não quero arranjar explicações para o comportamento do jovem modelo que agora é acusado pela vox populi de psicopata, de gigolo, de vulgar assassino - ou de herói. Mas questiono-me se poderia acontecer com um de nós, que nos achamos normais.
Carlos Amaral Dias, psicanalista, fazendo a análise psicológica possível a Renato (autópsia psicológica, como se diz), refere que não lhe parece que estejamos em presença de um psicopata mas sim de alguém, 'normal' que teve uma crise psicótica reactiva, isto é, uma saída de si próprio no decurso de um reacção emocional extrema.
E, se bem imagino o que agora se passa, vejo o Renato, dobrado sobre si próprio, arrependido, sem conseguir compreender como conseguiu fazer tudo aquilo, sem conseguir admitir que, foi por decisão sua, que manteve práticas sexuais com Carlos Castro, envergonhado, incapaz de enfrentar o mundo, querendo ficar preso para o resto da vida.
Que tudo isto esteja a acontecer com um jovem que, até há poucos dias, tinha um futuro radioso pela frente, só me pode dar pena.
Mas, ao mesmo tempo que digo isto, digo também que acho absurdo o cordão humano e as manifestações e homenagens em Cantanhede (incluindo o absurdo minuto de silêncio....) em favor de Renato e que, naturalmente, também lamento o que aconteceu a Carlos Castro (de quem eu não era admiradora); mas nem para a minha falta de admiração, nem para a minha pena, contribuem a sua orientação sexual.
Ou seja, o que eu penso relativamente ao que se passou seria exactamente igual se, em vez de ser o Renato Seabra e o Carlos Castro, fosse um casal heterossexual. A sexualidade aqui apenas é relevante porque foi um dos factores que desencadeou a tragédia.
O amor é um sentimento igual seja qual for o sexo dos apaixonados.
Eugénio de Andrade, poeta homossexual, escreveu o poema abaixo, assim falando de alguém que andava como um deus, que sorria como se dançasse. Assim imagino que veria Carlos Castro o Renato quando este desfilava na passerelle ou quando passeava na rua.
To a Green God
Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.
O humorista Juca Chaves dizia que "por causa de um bom rabo muitas vezes se perde a cabeça".
ResponderEliminarÉ curioso que tanta gente já falou sobre um e outro, mas a patroa do rapaz que gosta tanto de aparecer, agora está muito caladinha
Cheguei ao seu Blog mercê de uma pesquisa aleatória, e o que é facto é que há cerca de 4 horas que estou, com prazer, a ler diversos posts seus. Só por isso já lhe agradeço e felicito pela qualidade. Confesso que subscreveria a maioria. Mas, o impulso de escrever o presente comentário, nasceu das suas opiniões sobre o triste tema Carlos Castro/Renato Seabra. É que a minha leitura de toda esta tragédia, é exactamente igual à sua. Só que, os seus escritos ajudaram-me ampliar a perspectiva cénica das horas que antecederam o momento fatal daquelas duas criaturas. E, tal como V., eu imagino tudo aquilo que, com uma grande sensibilidade e sabedoria, V. diz que imagina no post ‘Renato Seabra, o menino de sua mãe ou o Fim do Sonho - na morte de Carlos Castro’. Horrível! Apenas acrescento a todo aquele dramatismo que V. magistralmente descreveu, um momento seguramente não menos dramático, que por eu o ter já vivido, me acudira logo ao pensamento: a passagem do ano em Times Square. Imagino como aquele miúdo teria vivido os minutos próximos da meia-noite, escutando o John Lennon: “…imagine all the people living for today… Depois, a meia-noite, o “Big Moment of the Ball Drop”, tão emocionante e giro quando se está em paz com a vida… E a seguir o Frank Sinatra “…I’m the king of the hill, top of the heap…” O miúdo, se calhar, trauteava aquelas canções, olhando os milhares de rapazes e raparigas que se beijavam apaixonadamente…
ResponderEliminarMas ali estava ele, amarfanhado, refém voluntário de um homem que tinha idade, pele e cheiro para ser seu avô, sabendo que, quando subisse ao hotel a uns escassos cinquenta metros, depois de um último olhar sobre as luzes de NY, iria pagar com o corpo e com a alma, um preço demasiado elevado por aqueles momentos de ouro que se atreveu a viver.
Que pena que eu tenho dele!
Gostei imenso de ler o seu texto. Revejo em cada frase a minha opinião sobre o assunto.
ResponderEliminarMuito obrigada por me fazer sentir que há mais gente a pensar como eu e não a dedicar-se a colocar anedotas escabrosas a passar de tlm em tlm.
O assunto é sério, matéria sensível e faz-nos pensar como está a ser educada a juventude deste país...que valores, que formação; afinal que futuro ?
Agradeço por partilharem comigo a vossa opinião e por me darem feedback sobre o que escrevo.
ResponderEliminarObrigada ao Anónimo porque a frase de Juca Chaves tem graça e o seu comentário introduz aqui uma descompressão que, por vezes, é necessária.
Magnolia e Arroba, gostei de ler o que escreveram, gostei que saber que estão em sintonia.
O aspecto da passagem de ano que a Magnolia tão bem descreve, de facto, deve ter acentuado, junto do rapaz o sentimento de desenquadramento e arrependimento.
A questão da educação dos jovens, a futilidade, o imediatismo que os media tanto sacralizam, têm, por vezes, estas preversas consequências.
E os conhecimentos e "amizades" instantâneas via facebook, por exemplo, vão esbatendo os contornos do que são os verdadeiros sentimentos.
Obrigada pelo que escreveram, deixaram-me a pensar.
Boa noite a todos.
ResponderEliminarNinguém sabe o que sucedeu naquela suite de Hotel em Nova Iorque mas ninguém se priva de adiantar filmes e que o motivo do crime será a homofobia.
Cuidado, admitir que todos os homossexuais são assassinados por serem homossexuais também um comportamento altamente homofóbico!
As pessoas (homossexuais ou heterossexuais) podem ser assassinadas por n razões que não as ligadas à sua orientação sexual.
Como é do conhecimento geral, OS HOMOFÓBICOS NÃO CONVIVEM COM HOMOSSEXUAIS, porque simplesmente não os toleram.
Só espero que se prove " insaniedade mental temporaria".. tenho muita pena do Renato, o CC tambem nao deveria ter sido este o seu final, mas agora só nos resta saber realmente o que se passou.. adorei ler os seus textos, estou muito sensibilizada com este crime, macabro e incompreensivel
ResponderEliminarMuito obrigada, Anair, pelas suas palavras. Quando vejo o rapaz algemado de pés e mãos no tribunal, de olhar baixo, faz-me tanta pena. E a mãe que teve que se mudar para os EUA para estar perto do filho. A reviravolta que a vida daquela família levou é uma coisa mesmo triste.
ResponderEliminarVenho aqui 7 meses depois do último comentário para lhe dar os parabéns pelo seu texto. Não concordo com a corrente geral pró-Renato, mas admiro a forma como consegue expor as suas ideias com tanta clareza.
ResponderEliminarEu vejo o caso de forma mais simples. O que o Renato estava a fazer com o Carlos Castro era simples prostituição... ele terá achado que se aguentasse 3 ou 4 meses com o Carlos Castro este o lançaria no mundo da moda ou o colocaria a fazer telenovelas e a partir daí teria a vida feita. Simplesmente não aguentou.
Para mim esta situação é em tudo idêntica à do Pinto da Costa, presidente do FCP, que com 73 anos namora com uma rapariga 50 (cinquenta) anos mais nova. É uma diferença de idades maior do que a que existia entre o Renato Seabra e o Carlos Castro. Será que a rapariga sente algum desejo ou algum prazer quando tem o Pinto da Costa em cima dela? Custa-me a crer. Simplesmente por estar com ele a rapariga tem acesso a uma vida muito mais confortável e luxuosa do que teria se estivesse a ganhar o ordenado mínimo algures, ao passo que o Pinto da Costa tem a oportunidade de fazer sexo com alguém que, em condições normais, talvez nem se dignasse a dizer-lhe as horas. Ficam os dois a ganhar, e se são felizes assim ninguém tem nada a ver com isso.
O Renato apenas tentou dar um passo maior do que a perna e não conseguiu. Tinha só 21 anos, mas com essa idade já se pode casar, constituir família e até ir para a guerra. Se o vamos agora desculpar pelo crime selvagem que cometeu, também teremos de desculpar quem por exemplo assaltar uma casa e matar o dono que não esperava encontrar lá dentro.
Pessoas normais não fazem o que o Renato fez. Isto não é algo que possa acontecer a qualquer um, tipo perder as malas no avião ou pisar uma poça de água. Pessoas normais não reagem a contrariedades assassinando e castrando quem as perturba. Podia até ter dado um soco no Carlos Castro e saído do quarto, mas não há desculpa para ter feito o que fez. Acredito até que agora esteja a sofrer bastante, que em princípio estragou a própria vida, mas e o que terá sofrido o Carlos Castro enquanto era espancado até à morte? Resta-me esperar que a castração e o vazamento das vistas tenham acontecido já com o Carlos Castro morto, para que ao menos não tenha tido também esse sofrimento.
Este é um caso para pena máxima. Espero que se faça justiça.
Rufferto,
ResponderEliminarLi com atenção o seu comentário e compreendo o que diz. Talvez tenha razão. Tenho dúvidas que tenha havido intencionalidade racional da parte do Renato. A esta distância imagino que entrou numa onda de facilitismo, de querer conhecer, querer aparecer, querer progredir, sem imaginar bem o que seriam as contrapartidas.
Imagino que quando caíu nele, se arrependeu e quis sair a sete pés. Imagino também que se arrependeu de tal forma do que já teria acontecido que quis apagar. Imagino que perdeu a cabeça, que anadaria sem dormir, tresloucado.
Claro que poderia ter-lhe dado um murro, como diz, mas sabemos lá o que faz uma cabeça arrependida, desvairada, tresloucada?
É certo que também lamento, muito, o que o pobre do Carlos Castro padeceu. Nem se consegue imaginar o horror que tudo aquilo deve ter sido.
Mas são casos tão extremos, tão infelizes, que não deveremos nós próprios fazer julgamentos. Que os técnicos de saúde mental e os técnicos de justiça avaliem e julguem.
Volte sempre. Gostei da sua argumentação e da forma como escreve. Será sempre muito bem vindo.