Agora sei que sou um caçador. Nada mais
que um caçador.
(Fotógrafo no Ginjal, captando o momento em que um navio passava sob a ponte)
Cacei de salto e de batida e de largada
sobretudo de espera. Palavras
imagens
rimas
combinações de sons e de sinais.
(Fotógrafo no Ginjal, fotografando Lisboa ou um navio que passava)
Tentei muitas vezes acenar no alvo
alguns amores saíram largos
outros perto demais
armadilha fatal
caçador caçado.
(Fotógrafo em Cacilhas, com tripé, aguardando a luz certa para captar Lisboa do seu melhor ângulo)
Ouvi o grito da narceja ao levantar
mas era o bater da ilusão lírica
era o tempo a fugir
ou talvez Deus o sentido o sem sentido.
(Num cais do Ginjal, fotografando um cacillheiro que se aproximava)
Agora sei que não fiz senão caçar
o poema o sopro os anjos que passavam
as aves dos milagres os teus braços
(Sniper, apontando para Cacilhas ou Lisboa ou o Tejo ou tudo)
Agora sei que sou um caçador
e que por mais que acerte haverá sempre
um tiro um pouco lento
ou demasiado à frente
uma perdiz que escapa mesmo se ferida
uma perdiz no vento
uma perdiz. Ou talvez o tempo. Ou talvez a vida.
(Excertos de "O caçador" de Manuel Alegre in Doze Naus)
PS1: Tenho o prazer da fotografia e fotografo tudo: coisas em casa, coisas na rua, coisas no rio, paisagens, navios, pormenores, pássaros, pessoas. Aqui, (como digo no título do post, parafraseando Camões), transformo os fótografos em alvo das minhas fotografias. Como habitualmente, tento não mostrar o rosto das pessoas mas, caso algum dos fotografados se reconheça e não deseje aparecer aqui, peço-lhe o favor de me contactar que, de imediato, retirarei a fotografia.
PS2: Como já aqui disse há alguns meses e volto a referi-lo, o facto de divulgar Manuel Alegre - e hoje, no Ginjal e Lisboa, a love affair também coloquei um poema dele - não significa o meu apoio como candidato presidencial. Se eu não tivesse da poesia uma ideia tão positiva, poderia dizer que só mesmo um poeta para se candidatar com o apoio do PS e do BE (uma coisa e o seu contrário)... Mas como para mim a poesia não é uma coisa etérea, desfasada da realidade, não posso dizer isso.
Digo apenas que o acho um poeta com uma singular capacidade de juntar as palavras de forma melódica, com uma invulgar capacidade de transformar as ideias e as palavras em rumor de ondas, em vento sobre as folhas, em lápis sobre o papel, em afago na pessoa que se ama. Poderia escrever a frase simétrica (que ele transforma o rumor das ondas, o vento...., etc, etc, em palavras) mas deliberadamente escrevi assim porque me parece que também está certo. Os seus poemas contêm a vida que passa, o tempo que atravessa vida, a vida totalmente vivida, e a luz e a música que toca as coisas, e exprimem, sobretudo, um absoluto amor pelas palavras.
Infelizmente, penso que isso não é suficiente para se ser um bom Presidente da República.
bonita viagem em volta dos fotógrafos do Ginjal, com poesia e tudo...
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