terça-feira, agosto 17, 2010

Filantrocapitalismos - populismos, simplismos e outros ismos


(Rui Nabeiro, em Campo Maior - fotografia disponível na net)
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O texto seguinte foi inspirado na leitura, que me foi sugerida, do seguinte artigo de João Rodrigues do Jornal Ionline do dia 16 de Agosto:
http://www.ionline.pt/conteudo/73929-filantrocapitalismos
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Há em toda a gente, especialmente nos que se sentem, de alguma forma, abençoados, a vontade de deixar algo que perpetue a sua memória para além dos tempos.

Toda a gente mais facilmente justificará a sua existência se sentir que ela teve um propósito e que esse propósito foi fazer algo em prole da comunidade ou da humanidade (consoante a ambição).

Isto acontece em todo o lado, a todos os níveis, em todos os graus.

Não há vila que não tenha um pequeno busto em honra de quem ajudou a Misericórdia local, não há cidade sem ruas com nomes de pequenos filantropos locais. Desde o industrial de uma cidade de província que financia a construção ou apenas o arranjo de uma ala de um hospital deixando lá uma placa com o seu nome, ao Dr. Vieira de Carvalho antigo presidente da edilidade maiata, que dá nome à praça principal e que mandou erigir uma edifício em torre que se visse dos municípios circundantes dizendo que, com isso, iria desenvolver a cidade, passando por Joe Berardo e mais as suas colecções e fundações, até ao honorável Rui Nabeiro que tudo tem feito por Campo Maior, em todos, de forma mais ou menos altruísta, mais ou menos respeitável, existe a vontade de ser recordado pelas gerações vindouras e de deixar o seu nome ligado a causas nobres.

Os exemplos são inúmeros, cá como em toda a parte do mundo. A Oprah Foundation, a Melissa and Bill Gates Foundation ou a Warren Buffett Foundation são inegavelmente, e àparte intuitos mais ou menos egoístas ou narcísicos, nobres ideias e valiosos contributos à comunidade.

A doação de António Champalimaud a uma Fundação que promova a investigação e o desenvolvimento em sectores de ponta ou a Fundação Francisco Manuel dos Santos, liderada por António Barreto que visa a investigação histórica e sociológica portuguesa, são outros notáveis exemplos - e isto apenas para referir dois casos recentes e sobejamente conhecidos.

Trata-se, no fundo, da redistribuição da riqueza acumulada por pessoas ou empresas.

É da natureza humana e é meritório.

Construir escolas, promover vacinação e outro apoio médico gratuito junto de populações carenciadas, patrocinar investigação, são iniciativas que ninguém pode senão louvar.

(Não me refiro aqui a um outro fenómeno, muito banalizado nos EUA, que é a filantropia como ocupação social. Nos EUA, universo de todos os extremos (em que, de cada coisa, existem todos os tipos de gradações - desde o pouco até ao excesso, quase caricatural) existe, especialmente na classe mais conservadora (e mais desfavorável ao Estado Social – vide o que se passou com a votação da reforma da Saúde), a ocupação, geralmnete por parte das ‘esposas’ dos empresários ricos, de organizar festinhas de angariação de fundos para tudo e mais alguma coisa. Mas isso é apenas mais uma demonstração do que é o mix cultural americano. É um epifenómeno que deve ser visto enquanto tal)


Outra questão, bem diferente e que deve ser equacionada como um assunto distinto é a que se prende com o que levou à acumulação de riqueza por parte dos patronos das fundações.

E aqui é perigoso generalizar. Basta ver os casos referidos para se perceber que acumular riqueza não é sinónimo automático de espoliar os desfavorecidos e, portanto, não é criticável de per se.

Casos há, e talvez sejam a larga maioria, em que, quem acumula riqueza para além do normal, o faz porque teve uma ideia inovadora que transformou num negócio super rentável (Bill Gates), ou porque construiu um modelo de negócio sustentável (Rui Nabeiro) ou, ainda, porque tem méritos profissionais que o torna altamente remunerado (Oprah, Luís Figo, etc) e milhares de outros exemplos em que nada há de reprovável.

Ser empreendedor e ter sucesso nos negócios é meritório e desejável. Assim se constrói a economia de um País.

Aplicar bem o capital é uma virtude e esse é o bom capitalismo.

Onde eu já não consigo ver tanta virtude é no capitalismo em que se joga o capital pelo capital, os investidores que não colocam as mãos no negócio, apenas transaccionam capital. O lucro especulativo tout court.

Penso que nem será justo incluir nesta categoria, de forma simplista, um capitalista puro como Warren Buffett pois, pelo que sei, é um corredor de fundo, aposta numa área e aí investe durante anos, não entra e sai, ao sabor das flutuações bolsistas.

Da mesma forma, me custa incluir no grupo dos ‘maus’ capitalistas um exemplo ultimamente muito referido, o Miguel Paes do Amaral pois, do que conheço, investe, desenvolve e, quando lhe parece oportuno, vende, é certo, mas o facto é que, enquanto investe, desenvolve e isso não é coisa pouca. O que tem feito no mercado editorial não é negligenciável e prepara-se para avançar para mercados de outra dimensão como o africano ou o brasileiro. Faz lucros, é certo, mas desenvolve o mercado livreiro e cria mais-valias no país.

Ou seja, mau mesmo - porque não acrescentam valor, senão para os directamente beneficiários - são os que destroem uma empresa ou a super valorizam artificialmente, que arrasam uma economia, que desvalorizam fundos de pensões, que anulam postos de trabalho apenas por especulação, na insana busca de lucros bolsistas imediatos.

Uma economia que assenta económica e financeiramente em actividades como estas é uma economia volátil, como se viu. Proporciona súbitas riquezas, acumulações ilógicas de capital, a concentração condenável de muito dinheiro numa minoria, estimula o espertismo, o egoísmo, o desprezo pelos mais fracos pois, para quem gira nesta órbita, o que interessa é a obtenção de mais-valias imediatas e nada mais. É, como se tem provado à saciedade, uma economia assente em coisa nenhuma: a quem por aqui gravita não interessa a agricultura, a indústria, a educação, nada. Nem são estes, regra geral, os filantropos.

Um outro assunto, distinto dos dois anteriores (a filantropia e as várias formas de capitalismo) é o da visão social de quem governa um País, questão política fracturante. Os Estados Unidos (especialmente nos períodos republicanos, como a recente era Bush) e os países do Norte da Europa são dois modelos antagónicos. Ambos encaixariam no que simplificadamente se podereia chamar de economia capitalista e, no entanto, é toda uma concepção de Estado que é diferente.

A este tema voltarei noutro dia que este post já vai longo.

Mas, como síntese, direi que uma análise que, generalizadamente, mistura capitalismo, filantropismo, os ricos e os pobres, medicina privada e medicina pública pode soar bem mas é uma misturada pouco rigorosa, é a típica análise populista da esquerda prêt-a-porter.

1 comentário:

  1. Antes de mais gostaria de dizer que sempre achei a esquerda pronto-a-vestir uma invenção muito jeitosa do século passado, é como ir à zara e comprar 5 tops por 10 euros, dá um jeitaço!

    Quanto ao post não posso deixar de dizer que te desviaste do bottom line do artigo que comentaste. O que estava em causa não era a moda do filantropismo ou por em causa o mérito do individuo que o pratica. O aspecto fundamental é que tal prática legitima toda um sistema injusto de acumulação desproporcionada de riqueza.

    Bom é o exemplo do Norte da Europa, sem dúvida uma sociedade baseada no capitalismo. Detentores de um mercado livre e, por exemplo, vem da Suécia um dos homens mais ricos do mundo, o fundador do IKEA.

    Mas nestes países a distribuição de riqueza não acontece a livre vontade e a jusante da acumulação desproporcionada, como no caso do filantropos citados! acontece a montante sobre a forma de impostos. Vem daí a "mistura" no artigo com temas como a saúde pública vs privada.

    O esforço fiscal médio na europa ronda os 35%, 3 vezes mais do que no USA. Na suécia o valor anda nos 50%!! (http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/2-28062010-BP/EN/2-28062010-BP-EN.PDF )

    O que é relevante é a forma como a riqueza se distribui nos países... no mundo! no mundo 2% das pessoas mais ricas agregam 50% da riqueza mundial! Está aqui a causa de todas as injustiças!

    Não posso deixar de achar que o capitalismo sueco, p.e., serve o desenvolvimento social, serve como forma de subsidiar a educação, a saude, a justiça, publicas e de qualidade. Será que é isso que acontece em paises como os USA, o exemplo do artigo? Não! Aí o capitalismo é a ferramente dos empreendedores ou dos muito ricos para viverem o American Dream... os tais 2%! A minoria vencedora que agora dá a esmola à porta da igreja.

    O fosso entre ricos e pobres é o dobro nos USA relativamente à Suécia e a taxa de pobreza é 4 vezes superior nos USA. Exprimenta explorar esta ferramenta da OCDE http://graphs.gapmider.org.

    Parecem bem os moderados defensores de um género de capitalismo sustentado na velha ideia de que o mérito de um 1 pode legitimamente representar a desgraça e a pobreza de 1000 - é essa a liberdade?. Quem pensa assim tende a achar que o filatropismo vai resolver e acabar com essa diferença de 4 vezes no fosso da pobreza. Mas estão enganados... E até um país capitalista como a Suécia pode provar isso!

    cpts
    j

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