sexta-feira, julho 19, 2024

A fera ferida

 

Tenho tido uns dias daqueles, já aqui contei. Mas há uma que ainda não contei. 

O nosso cãobeludo, temível fera que nos defende contra tudo e contra todos, é, na realidade, um serzinho que fica infeliz e altamente carente quando não está connosco. 

Estivemos fora, umas belas férias a sul, e deixámo-lo no que nos pareceu o melhor lugar possível e onde já tinha ficado quando estivemos no País Basco, por alturas da Páscoa. Na altura, não fomos nós que o levámos e parece que não correu mal de todo.

Desta vez, fomos levá-lo e ele, quando viu que ia lá ficar e que nós nos estávamos a ir embora, ficou num desconsolo, a atirar-se às redes, a chorar, um desatino.

De vez em quando, a dona do hotel canino mandava-nos vídeos a dizer que ele ainda estava tímido mas que estava bem. Mas o que eu via era um cãozinho triste, a olhar para o lado, sem interagir, ignorando a pessoa que falava com ele enquanto o filmava.

Depois disseram que ele estava com alergia no peito. Estranhámos. Alergia a quê?

Quando o fomos buscar fiquei impressionada pois vi logo que estava nervoso, ansioso, desfigurado, parecia que tinha os globos oculares para fora e as orelhas todas para trás, coladas à cabeça, parecia que estava sem orelhas.

Ficou doido de alegria ao ver-nos e, aos poucos, fisicamente normalizou. Mas estava reactivo, ansioso, diferente do habitual.

Ontem, por causa do estado em que tinha o peito, já fomos ao veterinário (horas! como em tudo nestes últimos dias, horas de espera, horas, horas, um desespero...!) e o que nos disse que é que deve ter sido stress, que deve ter ficado com o sistema imunológico reduzido, lambendo-se e criando sensibilidade e irritação na pele. E agora, como coça o peito, já está em ferida, e todo encarnado escuro.

E tem que aplicar um produto mas, reactivo como está, mal nos vê com o medicamento na mão, começa a rosnar, a fazer dentinhos, e, claro, foge. Se o queremos prender para lhe aplicar aquilo mostra com aviso sonoro e os enormes dentes que é prudente não nos arriscarmos. Portanto, não melhora.

O veterinário disse que tínhamos que lhe pôr um colar isabelino. Só que o problema maior agora é coçar-se e isso não vai resolver-se com o colar. E aquele funil de plástico enerva-o, incomoda-o, anda a bater com aquilo em todo o lado. Ora, com os stresses todos por que têm passado, não queremos estar a sujeitá-lo a ainda mais essa.

Como se não bastasse o pobre bichinho já andar stressado e incomodado com o peito em ferida, ontem de manhã, quando o meu marido foi caminhar com ele, foram surpreendidos com um cão gigante à solta que correu para cima da nossa ferinha. Tendo um tamanho muito maior que o nosso, saltou-lhe para cima e pô-lo de rojo pelo chão, a mordê-lo nas costas e no pescoço. O meu marido tinha-o pela trela e tentou separá-lo mas claro que teve a maior dificuldade. Gritou por socorro mas não apareceu ninguém e pensou que a besta gigante ia matar o nosso fofo bichinho. Depois, não tendo como afugentar o outro, que ladrava e rosnava e mordia o nosso, viu um contentor de lixo vazio e conseguiu dar-lhe um pontapé para cima do cão. Entretanto apareceu um senhor que abriu o portão para o meu marido entrar e, com o contentor ou com o facto de apareceu esse senhor e depois mais outro, o meu marido lá conseguiu puxar o nosso e fechar-se no jardim do senhor.

Finalmente o outro foi-se embora e o meu marido lá conseguiu sair e vir para casa. O meu marido vinha um bocado transtornado e o nosso cãobeludinho vinha encharcado da baba da outra fera horrível e vinha assustadíssimo. Deitou-se, encolhido, sem se mexer. Felizmente, e milagrosamente , não ficou ferido. Foi o pelo que o salvou. Com pelo curto, teria ficado desfeito. Mas se não ficou rasgado, ficou certamente dorido, traumatizado. 

Mas, portanto, se passou pelo stress de se ver abandonado pelos seus adorados donos, agora passou pelo stress de ser atacado por uma besta gigante.

Liguei para a polícia. Pensei que iriam tentar apanhar o cão. Contudo, passada para aí hora e tal, tocaram-nos à campainha. Três polícias armados, com a artilharia toda à cintura, perfumados e simpáticos. pediram a identificação do meu marido e a do cão com o respectivo boletim de vacinas. Quanto ao cão à solta, admitiram que já não o achariam e disseram que, se ainda estivesse à solta, teriam que resgatá-lo e que seria uma situação complicada. Portanto, lá se foram.

Hoje fomos comprar um bastão de caminhada para levarmos pois servirá, pensamos nós, para tentar afugentar um possível agressor. Claro que se eu estiver com eles, será mais fácil pois estar a segurar a trela de um cão a ser agredido tentando protegê-lo não deixa muita margem para, ao mesmo tempo, manobrar um bastão.

Mas, portanto, tem sido isto. 

Quando vínhamos de comprar o bastão e de comprar umas coisas no Leroy, ainda parámos no supermercado para trazer um frango assado e taboulé pois já ando sem energia, já não me apetecia ainda pôr-me a cozinhar. 

E agora, ao estar aqui a escrever isto, adormeço de minuto a minuto. Dá ideia que estou a precisar de férias desta sucessão de maçadas, de não ter ralações em cima umas das outras, de poder estar sem nada em que pensar, sem ter que ir a lado nenhum. 

Mas adiante. 

O meu marido tem andado a dar volta ao jardim. Arrancou um arbusto seco, depois estivemos os dois a podar e a dar um jeito engraçado a um outro arbusto, estive a cortar ramos desnecessários num outro. Agora o jardim está mais amplo, mais arejado, mais bonito. Dá ideia que finalmente o jardim está a ficar mais a nosso jeito, e isso agrada-me muito, nada que se compare com quando cá andavam os pseudo-jardineiros. 

No meio de tudo há sempre momentos bons e isso é que é preciso.

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Maria Bethânia - "Fera Ferida"

[Nada a ver com o tema do post]

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Dias felizes

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