segunda-feira, novembro 28, 2022

Sobre a incerteza da vida, sobre o luto, sobre a fé

 

Entrei numa loja com a minha mãe, ela para ver de um 'casaquinho', eu para provar uma camisola quente e confortável. Afinal a camisola de que gostei ficava demasiado larga e ela não gostou de nenhum casaco. Enquanto isso, o meu marido foi andando com a fera. Quando saímos da loja não os vimos. Lembrei-me de ir a uma sapataria que costuma ter sapatos confortáveis de trazer por casa. Afinal estava fechada. Continuei sem saber deles. Liguei ao meu marido. Disse-me que estava no largo e que tinha encontrado um primo meu (disse o nome).

Fui com a minha mãe à procura deles. Estavam longe. Apenas os identifiquei porque vi, à distância, um grupo com um cão cabeludo. Lá estavam: o meu primo, a mulher que é metade dele, e a filha, a miúda mais nova. Já não os via há algum tempo. Ele na mesma. Altíssimo, magro, sempre com aquele seu ar levemente sonhador, sempre zen, pouco falador. Ela, muito mais nova que ele, super enérgica, super jovial, faladora, alegre. Os dois miúdos mais velhos tinham ficado em casa. O cão também. A menina, pequenina, igual à tia, irmã do pai (minha prima, portanto). Igual, igual. Olhei a menina e pareceu-me estar a ver a minha prima quando tinha a idade dela, era eu recém casada nessa altura. Nunca vi coisa assim. Como se fossem gémeas com uns quantos anos de diferença.

A mulher do meu primo contou-nos que o pai morreu há cerca de três meses e ficou triste ao falar disso. Ficámos admirados, não sabíamos que estivesse doente. Não estava. Foi no verão.

Os pais do meu primo, dois tios muito queridos de quem aqui já falei, não chegaram a conhecer esta menina que nasceu quando os irmãos já eram crescidos. O meu tio também não chegou a conhecer a menina mais nova da minha outra prima. Morreu quando ela soube que estava grávida, nem nos quis dizer isso no velório ou no enterro, só disse depois. Percebi-a muito bem. A minha tia ainda conheceu essa menina mas por pouco tempo. Estava muito mal, mas apesar disso, ainda foi para casa da filha para a ajudar pois tinha a casa cheia de crianças.

Lembrei-me do casamento do meu filho, em que ainda estavam todos vivos. O meu pai tinha tido o AVC e andava com alguma dificuldade (mas andava) e foi esse meu tio, irmão da minha mãe, que o ajudou discretamente pois o meu pai sentia-se diminuído e não gostava de ser visto assim. Esse meu tio era forte, uma força da natureza, ajudava muito. E a mulher, muito divertida, poderia ter sido uma comediante, era descomplicada e ajudava muito a minha mãe e ajudava todos, levando tudo para a brincadeira.

Afinal, poucos meses depois, viemos a saber que o meu tio, apesar de todos pensarmos que respirava saúde, estava com um cancro. Tratou-se, ficou melhor, aparentemente bem. Mas poucos meses volvidos, foi a minha tia que soube que também estava com um cancro, e neste caso avançado. Foi operada, fez tratamentos. O meu tio foi-se completamente abaixo pelo que estava a acontecer à mulher. Eram amicíssimos, inseparáveis. Pouco depois, morreu. E ela também se foi, pouco depois. 

A morte deles foi um abalo muito grande para todos nós. Pensávamos que eram saudáveis, fortes, felizes, uma ajuda para todos, eternos. E, no entanto, foi um instante enquanto desapareceram. 

O meu pai também já cá não está. Hoje, ao saber da morte do pai dela, não muito mais velho que eu, lembrei-me dele e da mulher no casamento deste meu primo. Um casal bem disposto que não sei como terá reagido ao casamento da sua menina com um homem quase com idade para ser seu pai. Casou tarde, esse meu primo, depois de uma vida algo aventureira e quando se pensava que haveria de ter namoradas, uma aqui, outra ali, em países para os quais viajava e de onde elas vinham para visitá-lo, mas que, se calhar, nunca se sentiria tentado a 'assentar'. Afinal foi esta miúda, simpática, alegre e desempoeirada, que o levou à certa. Com semblante triste, falou da mãe, agora sozinha, abalada pela morte prematura do marido.

A vida é assim, incerta, por vezes efémera, por vezes traiçoeira, tantas vezes injusta. 

Mas a verdade é que, apesar do desgosto que sentimos quando se vão os que nos são queridos, a verdade é que a vida continua, regenera-se sem eles.

Temos que é que aproveitá-la bem enquanto dura tal como temos que aproveitar a companhia dos que amamos enquanto cá estão. Não sabemos nunca o que vai acontecer no dia seguinte pelo que levar uma vida incompleta à espera de poder vivê-la mais tarde pode vir a revelar-se uma aposta furada. Não sei se as pessoas que têm fé ou que praticam os preceitos de alguma religião se sentem mais acomodados perante a incerteza da vida mas eu que sou agnóstica tenho para mim que a vida é finita e milagrosa e que devemos agarrar cada instante como se tivéssemos sido abençoados em recebê-lo. E devemos estar na vida de coração aberto, generosos, bondosos, compreensivos, tolerantes. Nada disto é sinónimo de sermos bonzinhos, caridosos, passivos, beatolas, panhonhas, maria-vai-com-as-outras. A vida é boa se dermos o peito às balas e soubermos erguer bem alto as bandeiras das nossas convicções. 

E não digo mais nada porque a partir daqui já seria eu a deitar-me a filosofar, coisa para a qual notoriamente sou desprovida de competências.

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Posso apenas acrescentar que penso que o meu marido hoje percebeu que teria muito a ganhar se passasse a usar óculos na rua.

Já no carro, contou que ia a passear com a sua fera quando ouviu, ao longe, chamar o seu nome. Olhou, não reconheceu ninguém, admitiu que não seria com ele. Mas o chamamento continuou, 'Aqui!'. Então, olhou nessa direcção. De longe, pareceu-lhe que era a cunhada de quem ontem aqui falei. De facto não diferem muito, excepto que a minha cunhada deve ter uns vinte anos a mais que a mulher do meu primo. E, quando, de longe, viu o homem ao seu lado, pensou, atónito, que o irmão estava muito diferente. Devo dizer que o meu primo tem à vontade trinta centímetros a mais de altura que o meu cunhado e que, a nível de peso, é capaz de ter menos uns trinta quilos. De cara então não há comparação possível. Portanto, face a esta inexplicável confusão, acredito que talvez o meu marido admita que teria muito a ganhar se passasse a usar óculos na rua.

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Bem. Se não tenho mais a dizer posso, no entanto, recomendar uma entrevista muito interessante. Muito interessante, mesmo. Posso ser suspeita porque gosto muito do Nick Cave mas não quero saber: ele é um homem carismático, com uma densidade artística que me prende. Além disso, a sua vida tem tido momentos de fractura e dor que dão corpo a algumas das suas criações artísticas mais tocantes e intensas.

Lamento que não esteja legendada mas, ainda assim, até como se de um repositório de agrados o blog se tratasse, incluo-a aqui. 

Nick Cave on faith, grief, and music: The Newsnight Interview

The artist talks about the death of one of his fifteen-year-old twin sons, Arthur, seven years ago, and how he has addressed loss and grief through music, particularly his hugely lauded album Ghosteen.  

He talks about his new book, Faith Hope and Carnage, which is distilled from a series of telephone conversations during lockdown between Cave and journalist Sean O'Hagan, in which the musician talks about questions of belief, faith, grief, love and his music.  

In a rare TV interview, Kirsty Wark also hears about his project, The Red Hand Files, in which he solicits questions online and then responds to the ones which pique his interest with advice and musings which are often tender, and sometimes funny.

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As pinturas são de Manuel Cargaleiro

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Boa sorte. Paz.

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