Não sei se saberemos enfrentar com sucesso as alterações climáticas. Não havendo urgentes, inovadoras e muito eficazes medidas que, a nível do planeta, travem o desastre em curso, a vida humana pode começar a enfrentar sérias ameaças e não sei até quando conseguirá aguentar-se, pelo menos nos moldes que hoje conhecemos. Mas, admitindo que o toque a rebate se fará ouvir em todo o mundo e que a inteligência animal associada à sobrevivência se imporá, então, pode acontecer que se viva ainda o tempo suficiente para que os humanóides sejam uma realidade: seres humanos com aparência normal mas, de facto, programados para agirem como verdadeiros seres humanos.
No mundo das empresas o conceito o 'machine learning' já é quase um déjà-vu. Não que as empresas já estejam a usar em velocidade cruzeiro mas já falam, já estudam, já querem equipamentos cujo sotware assente em algoritmos que incorporem os dados obtidos e, mediante um encadeado de ifs, façam as máquinas terem em linha de conta as funções identificadas, as métricas adequadas, as estatísticas e as probabilidades associadas. Mas nem é preciso ir tão longe: a palmilha dos meus sketchers anuncia que tem memória. E há colchões que se anunciam com as mesmas capacidades. Aqui não há electrónica e computação, há simplesmente materiais estudados e fabricados mediante simulações e funções matemáticas para 'perceberem' o corpo que os vai usar.
Programar uma coisa para agir como uma pessoa não é difícil. E conseguirá programar-se para ser meiguinho ou irreverente ou obediente ou desafiador ou sedutor ou mal-educado. Ou perigoso. Tivesse eu agora os vinte anos que tinha quando andei a navegar por águas afins e muito provavelmente andaria agora por estas paragens. Claro que, nestas matérias, penso que o que faria seria sobretudo pelo fun of it. Mas esse é também o perigo. Sendo uma área em que se actua de forma totalmente desregulada, quem garante que um maluco que está a programar coisas para agirem como pessoas às tantas não vai longe de mais ou que a 'coisa' não lhe escapa das mãos?
É que nisto há o auto-desafio -- e o auto-desafio é o maior produtor de adrenalina.
Será que consigo...?
Ou: Ora deixa cá ver até onde consigo que isto faça o que eu quero...
Ou: Deixa cá ver se o 'tipo' é capaz de me surpreender...
Parte da actividade dos hackers começa também assim: pela vontade de perceber até onde se consegue ir. E quem diz dos hackers diz a malta que se entretém a criar cenas na base da inteligência artificial.
Mas, tecnologias à parte, avancemos para o tema em questão: o dos seres 'feitos' à medida.
-- sim, há quem, por ilusão ou falta de tino, tenha caído em esparrelas destas --,
Claro que há quem tenha a sorte ou a capacidade para encontrar um/a assim, à sua medida mas em bom, ou seja, humano genuíno -- não um humanóide programado.
[Uma vez que o meu compagnon de route ao fim de semana não vê isto de certezinha absoluta, posso aqui dizer que eu acho que me incluo no grupo das sortudas. Assim, não lendo, não fica a achar-se a última coca-cola do deserto, todo convencidão. Posso, portanto, na vida real, a continuar a deixá-lo na dúvida. Mas aqui confesso: não tenho dúvidas, não senhor. A mim saiu-me o brinde.]
Mas há pessoas a quem sai a fava. E para esses ou para os/as mais aselhas ou os mais deslumbrado/as que tanto querem encontrar um príncipe/princesa encantado/a que se iludem e acabam por levar para casa um inútil sapo-cabeçudo, para esses a solução do humanóide movido a inteligência artificial era o que vinha mesmo a calhar. Aliciante. Diria mesmo: capaz de se tornar deveras viciante.
Se já antes o Her -- com Joaquin Phoenix no papel de Theodore, totalmente 'agarrado' à voz de Scarlett Johansson, como assistente virtual movida a inteligência artificial -- foi uma amostra do que pode ser mas em que a 'coisa' apenas se materializava através da voz, aqui, no 'I'm your man' o enredo vai mais longe, vai até onde um dia destes, se lá chegarmos, estaremos.
Transcrevo do artigo do The Guardian em que se fala de como se pode chegar à felicidade na companhia de um humanóide.
The last thing that academic Alma (Maren Eggert) wants, following a messy breakup with a colleague, is a man. But in order to gain funds for her own research, she is persuaded to take part in a trial: for three weeks, she must live with Tom (a deft comic performance from Downton Abbey’s Dan Stevens), a humanoid robot that has been precision-tooled to be her perfect companion.
(...) it asks pertinent questions about loneliness and a world in which algorithms can know us better than our human partners ever will.
Nos anos 80 do século passado, havia quem acreditasse que a inteligência artificial estava ao virar da esquina. Mas não estava. A sucessão de ifs inscrita num programa de computador, por muito vasta e abrangente que parecesse ser (milhares e milhares de ifs e de outros tantos elses), não era mais do que um simulacro, destinado a criar uma impressão de inteligência, mas que de inteligência não tinha absolutamente nada. Era artificial, era, mas era burrice artificial. Nem poderia ser outra coisa.
ResponderEliminarA grande mudança deu-se com o desenvolvimento das chamadas redes neuronais, que supostamente imitam as redes de neurónios existentes num cérebro. O conceito já é antigo, os "neurónios" artificiais apresentam ainda diferenças significativas em relação aos neurónios biológicos e às suas sinapses, mas as redes neuronais artificiais já têm conseguido avanços tais que ainda há poucos anos se julgavam estar a décadas de distância.
O avanço mais assustador de todos é certamente a capacidade que algumas redes neuronais artificiais extremamente complexas já têm de aprenderem por si próprias! É a chamada Deep Learning, em que a intervenção humana se limita a fornecer os valores de entrada e a rede se encarrega de deduzir tudo e mais alguma coisa, ao ponto de fornecer resultados que não estavam previstos nem se desejavam.
As camadas de "neurónios" entre as entradas e as saídas são tantas, e as quantidades e pesos das "sinapses" idem, que os cientistas já desistiram de tentar perceber como é que a rede consegue chegar a um dado resultado e não a outro. Isto é mesmo assustador, porque já houve redes que produziram resultados que reproduzem os preconceitos raciais e sexistas dos seres humanos que introduziram os dados iniciais, mesmo que supostamente esses dados fossem completamente neutros.
Os "algoritmos" do Facebook, do Twitter, da Google e os do Youtube (tão gabados pela UJM, e não é por acaso) estão entre as redes neuronais de Deep Learning mais avançadas que existem. E a procissão ainda vai no adro. Aonde nos levará tudo isto?
Olá Fernando,
ResponderEliminarHá matérias que passam ao lado do poder político e esta parece ser um deles. Contudo, é daquelas matérias que, se entregue a si própria, sem vigilância, pode desencadear riscos de toda a natureza, alguns até fatais.
Tem potencial para ter tanto de construtivo quanto de destrutivo.
Como saberá, supostamente a Facebook suspendeu parte do seu programa de IA quando uma linguagem de programação criou outra (por sinal, muito eficiente), que deixava às cegas (ou melhor, de mão atadas) os técnicos envolvidos.
Mas nisto nunca saberemos se pararam mesmo até porque a empresa pode ter parado mas algum dos programadores pode ter continuado. É certo que para isto não são computadores domésticos que podem ser usados mas a cloud está aí para abrir portas a todas as dark nets deste mundo. Não se pode ter a pretensão de que se sabe alguma coisa nestes caminhos e labirintos: há sempre novo a ser criado a cada instante que passa.
Os serviços de inteligência do mundo inteiro deveriam estar muito atentos a isto mas não é fácil.
Não sei, também, onde é que isto nos levará.
Não sei se alguma vez a humanidade esteve sujeita a uma tão perigosa conjugação de factores: pandemias, alterações climáticas e inteligência artificial desregulada.
Haja esperança no bom senso de quem tem poder para fazer alguma coisa.