Quando era pequena detestava leite. Dava-me vómitos. Na altura, o leite era fresco, do dia, tenho ideia que vendido porta a porta. A minha mãe fervia-o em casa. Depois aquilo formava uma nata que era cuidadosamente retirada, coada. Se eu sentia uma leve película na boca, ficava com vómitos. Só a perspectiva de, ao beber, sentir aquela coisa na boca, já de si me agoniava. Aliás, até o próprio sabor do leite me dava náuseas. A minha mãe servia-o morno e tentava várias aproximações: simples, com ovomaltine ou sei lá com o quê. Mas nada a fazer: eu detestava-o de todas as maneiras.
Ou seja, pouco ou nenhum leite bebia.
Apenas no fim da adolescência percebi que tolerava bem o leite magro, frio e sem açúcar. Mesmo o meio-gordo desde que frio. Mas não apenas não virei entusiasta como já lá cheguei tarde de mais. Por essa altura, já tinha também percebido que gostava mesmo era de iogurtes.
A falta de leite na tenra infância e no início da adolescência teve consequências. Ainda miúda tive uma ou outra cárie. Não tinha qualquer medo de ir ao dentista. Estando os meus pais a trabalhar e tendo a minha mãe a absoluta responsabilidade de nunca faltar para não deixar a sua turma ao deus dará, coisa que eu compreendia e respeitava, lembro-me de ir ao dentista sozinha. Lembro-me também de no consultório se admirarem de eu estar sozinha. A mim não me fazia qualquer diferença. Ia na maior descontração, saía de lá com a boca ao lado da anestesia, e ia a pé, sozinha, para as aulas.
Ir ao dentista nessa altura, era para mim um sufoco, não por ter medo mas por ter falta de tempo. O dentista, por acaso da família, ficava longe do meu emprego e longe da casa dos meus sogros, onde o meu filho ficava durante o dia nesses primeiros meses. Na altura, deslocava-me usando transportes públicos. Saía a correr do emprego, apanhava autocarro ou eléctrico e metro. Depois do tratamento, mais metro e mais autocarro. Pegava no meu filho e iniciava o trajecto para casa, com o meu filho ao colo, indo, pelo caminho, buscar a minha filha ao colégio.
Na primeira e única vez em que ele foi na minha cantiga do 'condensado', quando saí de lá, vi que não estava bem. Contudo, a minha preocupação era recuperar os meus filhos e chegar a casa. Por essas alturas, o meu marido estava num trabalho novo, com muitas deslocações e frequentemente a ter reuniões com pessoas que vinham de fora e tinham o tempo contado pelo que as noitadas eram mais que muitas.
Foram tempos muito puxados para mim. Mas os meus vinte e poucos anos e a minha vontade de que tudo se conciliasse -- vida familiar, vida profissional, vida conjugal -- tudo aceitavam e tudo ultrapassavam, sem qualquer aborrecimento ou drama.
Nesse dia, fui, pois, meio estonteada, meio nauseada. Mas, quando a gente quer chegar inteira a um lugar, a gente, quase sempre, consegue. Contudo, estando como estava, a verdade é que não sei como consegui chegar a casa. Mas cheguei. Deitei o meu filho na caminha dele e deitei-me, vestida, sobre a minha cama. Quase desmaiada, não sei como foi possível aguentar-me. A minha filha, três anos, sentada em cima da minha cama, descalçou-se sozinha e lembro-me de ver a areia que ela sempre tinha dentro dos sapatos a escorrer para a minha cama. O meu filho chorava, certamente cheio de fome, e ela brincava, metendo-se também dentro da cama, vestida, suja da escola, com bonecas, tudo na cama, uma festa. De vez em quando, conseguia, a muito custo, ir à casa de banho vomitar. E, agarrada às paredes e aos móveis, de novo para a cama. Na altura não havia telemóveis. Não me lembro se consegui telefonar ao meu marido. Tenho uma vaga ideia que sim e tenho uma vaga ideia de que, doente como estava, não consegui transmitir-lhe as dificuldades em que estava.
Não sei como me aguentei sem desmaiar nem sei como consegui aguentar os miúdos até que, finalmente, à noite, ele chegou.
Mas não ganhei aversão ao dentista. Continuei a não ter qualquer medo.
E isto só vem a propósito do vídeo que hoje, ao abrir o youtube, aqui me apareceu.
Os meninos do meu filho estiveram cá hoje de manhã e o mais pequeno insistiu para que o deixasse ver o Mr. Bleen (como ele diz). Então, enquanto tive que fazer um telefonema, pedi para o mano do meio, lhe pôr o Mr. Bleen no meu computador. Riram os dois de gosto e eu, quando me despachei do telefonema, ri-me também. Agora, por ter percebido estes meus gostos, o algoritmo tinha este para me mostrar. E eu, como sempre, apesar do sono com que estou, já me fartei de rir. Não consigo responder a comentários e mal me aguento de olhos abertos.... mas rir, isso não há quem me trave.
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