domingo, janeiro 26, 2020

E, por falar em escândalos, um que deve ser visto:
Bombshell


Numa outra vida trabalhei num edifício muito grande, o maior onde trabalhei até hoje (e se tenho trabalhado em grandes edifícios). Esse edifício tinha vários elevadores e um deles era exclusivo para a administração. O andar onde trabalhava a administração tinha uma belíssima vista sobre a cidade e era um lugar a todos os títulos reservado. Tive várias reuniões lá. Saía-se do elevador e entrava-se num lugar quase misterioso. Não era possível saber quem lá estava. Os motéis devem ser assim. Estava dividido em compartimentos. Melhor dizendo: em apartamentos. Cada um tinha a antecâmara da secretária. Depois entrava-se numa sala de reuniões ampla, toda em madeira, muito bem decorada, com belas obras de arte. Essa sala tinha uma casa de banho privativa. Dali havia um corredor e, ao fundo, o gabinete do administrador, creio que também com casa de banho completa, onde se podia inclusivamente tomar banho. Não sei se havia mais divisões em cada apartamento. Trabalhavam nesse piso creio que uns cinco administradores e respectivas secretárias mas presumo que raramente se vissem a menos que se visitassem. Do outro lado do hall dos elevadores era o salão nobre, onde decorriam os conselhos de administração.

Quando eu conheci essas instalações, não conheci já os anteriores administradores. O que sei é que se falava que, por vezes, alguns desses senhores recebiam visitas e nessas alturas ninguém se podia aproximar sequer da secretária. Diziam isso e riam-se. Falava-se em grandes farras. Diziam que, nessas alturas, o espaço ficava interdito. Também ouvi dizer que o barbeiro ia lá para cortar o cabelo a alguns dos senhores mas isso era às claras.

Soube que, anos mais tarde, um dos senhores, numa outra vida, já um homem com uma idade algo avançada, teve um caso com uma secretária, na altura mais nova que qualquer dos filhos. Contudo, consta que o que começou por ser mais uma das suas investidas se transformou num grande amor, amor que terá tido um desfecho triste e digno.

Já aqui o tenho dito: em toda a minha vida profissional, conheci casos e mais casos. Muitos. Durante uns anos era porta sim, porta sim. Quase todos os meus colegas tinham um caso, uns mais à socapa, outros completamente às claras. Também já o contei: quando um colega nosso, o mais talentoso e brilhante, morreu prematuramente, a capela estava cheia, a rua cheia. A mulher estava, naturalmente, inconsolável. Todas as suas ex-namoradas também. Estavam lá todas. Todas, excepto a mulher, sabiam umas das outras mas desculpavam-no, achavam sempre que a culpa era das 'outras'. Faziam cenas de ciúmes se ele não lhes dava a atenção que requeriam. Em contrapartida, para ele tudo aquilo era uma festa. Lembro-me dele sempre na maior alegria. Mesmo quando foi apanhado por um colaborador que tinha ficado a acabar um trabalho, já fora de horas, em pleno acto, em cima da mesa de reuniões, ficou na maior descontração. Não se falava de outra coisa e ele divertido, como se aquilo fosse com outro.

Eram eles que estavam disponíveis para os romances e eram elas que os assediavam ainda mais do que eles a elas. A minha secretária teve um caso com o meu melhor amigo e o que ela se atirava a ele era de antologia. Nunca assisti nem nunca tive conhecimento de casos de assédio sexual pois tudo a que assisti foi consentido de parte a parte. Mas o que posso dizer a propósito disso é que tenho tido sorte por trabalhar em empresas decentes (apesar de forrodobó que por vezes acontecia nos bastidores).

Contudo, que existem casos de assédio existem e acredito que nos meios em que a concorrência é mais feroz e em que há uma certa predisposição para considerar que os atributos físicos se sobrepõem aos restantes ainda mais os haverá.

Ao ver o filme que vi hoje, várias vezes me encolhi, incomodada, desconfortável, a pensar que, se fosse comigo, chamaria ao velho babaca estafermo, troglodita, tarado, estúpido, que fosse dar banho ao cão -- e sairia porta fora, dizendo alto e bom som que internassem o homem porque estava doente. Mas isto sou eu a falar.

Sei lá se, querendo muito o lugar e temendo consequências e, ao mesmo tempo, tolhida pelo nojo e pelo medo, não saíria dali em lágrimas, pegando na trouxa e saindo da empresa em silêncio, com medo que ainda pensassem que eu é que tinha incentivado o anormal.

Amanhã talvez consiga pegar no computador mais cedo e explicar porque é este fim de semana não tenho tempo para responder a mails nem para escrever os testamentos do costume. Mas venho aqui recomendar que, se puderem, vão ver o filme. Fomos vê-lo esta tarde e gostámos bastante.

Muito bom, muito actual, muito bem feito, muito bem interpretado. E um trabalho de caracterização extraordinário.
Bombshell is a 2019 American biographical drama film directed by Jay Roach and written by Charles Randolph. The film stars Charlize Theron, Nicole Kidman, and Margot Robbie, and is based upon the accounts of several women at Fox News who set out to expose CEO Roger Ailes for sexual harassment.
O Escândalo 



Abaixo, algumas imagens reais que se vêem, reproduzidas, no filme


E imagens reais sobre o que se passou


E a todos desejo um belo dia de domingo

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