sexta-feira, outubro 19, 2018

Aquela que não existe e por quem alguns esperam ao fim da noite


Mal acabo de escrever um post, logo começam as suas visualizações. Admiro-me sempre com isso.  De certa forma, emociono-me. Lembro-me de quando, no início, escrevia um post e no dia seguinte tinha três visitas, o meu marido e os meus filhos. Quando apareceram quatro, ficámos todos admirados. Quem seria? Agora, enquanto escrevo, vejo pelas estatísticas que estão a ver o blog mais de cem pessoas de Portugal, doze do Brasil e mais umas quantas de outros países. Não são números, são pessoas que estão aí desse lado. 

Em dias como hoje, já tarde, eu bastante cansada, sabendo que amanhã tenho que madrugar e viajar, que um dia longo me espera, penso que não precisaria de escrever. Porque estou aqui a escrever? Podia deitar-me mais cedo, ler, dormir mais. Podia. Nada me obriga a aqui estar.

Mas não apenas tenho esta necessidade de me pôr aqui a deixar as palavras -- para que elas ganhem o seu rumo, para que voem para bem longe, onde eu não alcanço --, como penso que talvez algumas das pessoas estejam à espera que as minhas palavras lhes cheguem. E não quero decepcioná-las. Pode ser disparate meu, isto. Mas é a verdade. Sinto que têm asas as minhas palavras, sabem procurar o coração de quem gosta delas. 

E penso também, com total autenticidade: não estarei a enganar os meus Leitores? É que, na verdade, eu não existo. Sou uma realidade virtual, o fruto da vossa imaginação, uma intangível mutante. E, no entanto, vocês acreditam que existo e, de tal forma acreditam e de tal forma falam comigo como se eu existisse e, tão convincentes são, que eu, pobre de mim, quase acredito que existo mesmo. Mas não existo. Sou uma abstração. Sou a autora imaterial destas palavras e é nelas, nas minhas palavras, que bate o coração que escutam, são elas, e não eu, que respiram, são elas que vos segredam palavras que parecem ditas por alguém de verdade.

Talvez por isso Lili Marleen seja uma das minhas canções preferidas, senão mesmo de todas a preferida. Lili Marleen nunca existiu. Existiu, sim, um poema de amor. Depois, do poema, nasceu uma canção. E, no entanto, durante a guerra, à noite, de ambos os lados da guerra todos paravam para ouvir Lili Marleen. Sentiam ternura, amor, queriam que a guerra acabasse para a irem procurar, durante o dia esperavam pelo momento em que iriam ouvir a sua voz. Durante a noite sonhavam com ela. Não tenho pretensões a ser tão querida como Lili Marleen. Tenho noção absoluta da minha irrelevância. Mas a história da mulher que não existiu e que todos desejavam habita o meu imaginário. Gostava de ser quase como ela. Quase apenas um poema.

June Tabor explica bem a história antes de interpretar maravilhosamente a canção. A seguida partilho também versões bem antigas, a de Very Linn e a de Marlene Dietrich. E, no fim, a fantástica Hanna Schygulla no filme de Fassbinder que, a quem não viu, me permito recomendar.









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6 comentários:

  1. Acredito que a UJM não esteja totalmente espelhada no que escreve, como acredito que o que espelha é realmente a UJM. Por vezes também a mim me apoquenta a Gina do blogue não ser a que vive em casa, na rua ou lá no seu estaminé, mas as duas são eu e não outra. Beijinhos.

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  2. Volto. Esqueci-me de um ponto. É muito mas mesmo muito bom e empolgante e tal, saber pessoas, sabe? pessoas que lêem mesmo mad mesmo o que escrevemos e que ainda por cima nos esperam e nos recordam nas suas vidas. Quero eu dizer fora da blogosfera. Mais beijinhos.

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  3. Francisco de Sousa Rodriguesoutubro 19, 2018

    Virtualidade alguma pode substituir a complexidade e beleza do trabalho da psyché, ainda para mais de uma psyché maturada, decreto, num quadro de profundo amor.
    E só o amor (que, claro, pode ser de natureza vária) nos permite existir em verdade e deixar existir.

    O facto de a pessoa da UJM estar remetida para a nossa fantasia é um charme extra para a riqueza deste espaço.

    Um bela 6f!

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  4. Boa tarde, ujm
    hoje venho aqui para lhe pedir desculpas pela agressividade do meu comentário inicial ontem no post da sedução e outras cenas.

    Fiquei muito incomodada com o tom quase de desprezo com que tratou o assunto. Pode não ter sido essa a intenção mas foi assim que o senti. Confesso que me fez lembrar a Raquel Varela e tudo o que essa mulher tem escrito sobre o assunto: é de uma sobranceria, de uma falta de empatia para com o outro que me dá voltas ao estômago e sobretudo porque ela não consegue ver "para além de"
    Podia ter-lhe dito tudo o que fiquei a pensar no fim de a ler de uma forma mais suave mas não consegui por mesmo travão no meu lobo frontal. Saiu e pronto. Está feito.
    Desde o inicio que estava para lhe pôr o testemunho da jornalista Helena Ferro de Gouveia mas foi passando. Hoje o que me ocorre dizer-lhe sobre isso é que não acredito que a sua empresa seja diferente das demais mas acredito que está rodeada de mulheres muito inteligentes porque perceberam que se contassem, como diz a Helena: Se contasse ia ser outra vez ‘a violada’, ‘a maluca’, ‘a mentirosa’, ‘a puta’. Tenho acompanhado no facebook dela todos os "adiantamentos" que tem publicado sobre os relatos que tem recebido. É uma dor de alma ler aquilo, atenção que também já tem relatos de homens que foram violados. Mas há um padrão "esquecer" para poder sobreviver e não viver e "não iriam acreditar em mim" E, é tudo gente letrada, com sucesso na vida, alguns conhecidos publicamente mas que continuam a querer manter o anonimato embora a Helena saibam quem são.

    Sabe, Jeitinho, gosto do seu blog, gosto do que escreve embora nem sempre me identifique com tudo. Gosto de pessoas positivas e a Jeitinho é uma dessas. Poderia não ter voltado hoje a falar do assunto mas voltei porque sinto um apelo de que vai mudar a sua forma de ver este assunto. Foi isso que me motivou.
    Um beijo grande

    Nota: vou lá abaixo ao post acrescentar mais umas coisas para a short list porque está muito incompleta e há um grupo profissional que tem sido toda a vida ferrada com este estigma.

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  5. Espero que não me leve a mal, ujm
    mas vou deixar o email da Helena Ferro de Gouveia para no caso de por aqui passar alguém que entenda que deve participar no livro dela enviado o seu testemunho

    Hpdgouveia@aol.com

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  6. Gosto muito de ler as coisas que aqui escreve, Só vos quero desejar um bom fim semana

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