quinta-feira, março 31, 2016

Depois da Matemática e o Sexo respondo a: Quem sou eu?
A pergunta pode parecer filosófica e, verão, até mete mitologia grega -- mas não se assustem que eu sou uma rapariga simples, é tudo muito básico


Abaixo falei da matemática aplicada ao sexo e, quando se juntam duas coisas boas, já sabem o que é. Epifania ou apoteose? Ou, antes, o desmontar de mitos? Ou, simplesmente, a explicação para muita coisa? Talvez tudo isso. Os consultores falariam de uma situação virtuosa mas eu, que não sou dada a consultorias, apenas convido, quem ainda não conhece, que vá até lá de visita que talvez goste. Digo eu.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, vou de novo pela mão do meu grande amigo, o algoritmo da Google. Um dia destes ainda arranjo uma paixão verdadeiramente virtual. Mas então não é que este meu enigmático amigo põe à minha frente toda a espécie de agradinhos? Faz-me rir, faz-me pensar, intriga-me, provoca-me. E sem me pedir nada em troca. Eu é que sou boazinha e retribuo, divulgando aqui alguns dos presentinhos que ele, melifluamente, me vem deixar nas mãos.

Mas tem mais. Não sei que coisa tenho eu que faz que quem eu deixo que se aproxime mais de mim, às tantas, tenha vontade de me educar. É sempre. Ou isso ou proteger-me. Mesmo os meus colaboradores, volta e meia, se estou a apertar com eles, dizem que eu descanse, que não me preocupe, que eles resolvem tudo. Ainda ontem, a propósito de um problema que me foi colocado, um me disse, todo arreliado, que não percebia porque é que me tinham incomodado com aquilo, que ia saber porque é que não me tinham deixado em paz que ele resolvia a coisa sem eu ter que me preocupar. Enterneço-me. Posso nem sempre o demonstrar mas, a sério, que gosto. E que acho piada. Ainda me lembro de um grande amigo meu dizer que eu dou a ideia de parecer precisar de ser protegida mas que era um grande engano, que quem cai nessa, às tantas já está é sob a minha protecção.

Pois bem. Vem isto a propósito de todos os dias, nas estatísticas do blog, aparecerem como palavras de entrada cá o que as pessoas escrevem no google: 'Quem é a autora do blog Um Jeito Manso?'.


Já fiz vários posts a tentar responder a essa pergunta (por exemplo: aqui, aqui e aqui) mas, pelos vistos, as pessoas não se dão por satisfeitas. Ou são outras pessoas que ainda não leram o que antes já escrevi. E, estava eu a pensar nisto, quando vejo que o Youtube me sugeria o vídeo que abaixo partilho: 'Quem sou eu?'. Nem mais.

Já o vi e fiquei agradada. É mesmo isso. Mas deixo o vídeo para o fim e vou, uma vez mais, tentar satisfazer a curiosidade dos meus leitores. Se não se importam, vamos com música, com uma das minhas soul mates, Melody Gardot. O ano passado via-a numa noite estrelada no jardim do palácio Marquês de Pombal. Será que ela vem este ano a Lisboa?

Bem, adiante.



Gosto de ler salteadamente, gosto muito de ler diários ou entrevistas ou cartas ou apontamentos ou pensamentos à solta ou ensaios ou pequenos contos -- porque isso vai bem com o meu espírito desordeiro, de ler ao acaso. De vez em quando lá leio de cabo a raso mas, cada vez mais, isso é menos frequente.

Gosto de muitas coisas na internet, nomeadamente no youtube: vídeos com números de burlesco, com jazz, com coros religiosos, com pop, com blues, dança de toda a espécie, poesia, gente que não sabe arrumar o carro, perfumes, gente a bordar, escultura em movimento, o que calhar.

Divertem-me (e, no fundo, dão-me pena) as pessoas que elegeram um género ou um autor e dizem que é o melhor do mundo e que tudo o que há para além disso é coisa menor.

Maçam-me as pessoas monocórdicas que só se interessam por um ou dois assuntos e que, para além disso, parecem rodeadas por um estranho vazio.

Quando as pessoas estão a falar muito a sério de um assunto, especialmente se eu achar que a conversa está a entrar num estilo doutoral, e me parece que elas julgam estar perto de atingir o nirvana, se eu achar que são inteligentes, gosto de dizer ou fazer uma parvoíce qualquer para que percebam que isso do céu é muito relativo. Se achar que são burrinhas, poupo-as.


Gosto de ver toda a gente feliz à minha volta. Se vejo alguém tristonho, fico logo com vontade de levar essa pessoa pela mão até ao pé do mar para que sintam que há milhões de possibilidades de que tudo volte a ser bom. Ou gosto de saber o que se passa. Quando as pessoas falam no que as atormenta, no fim da conversa já estão mais aliviadas.

Gosto muito de ouvir dizer poesia. Muito. Gosto de ter prazer e ouvir dizer poesia é um dos muitos prazeres a que gosto de me sujeitar.

Gosto de ser surpreendida. Por exemplo, agora virei a televisão para a RTP 2 e estou a ver uma cena do além, nem sei bem o que é mas que estou surpreendida, lá isso estou. Uma mulher nua e outra armada em castigadora. Agora a beijarem-se na boca. Parece que houve um crime. Agora acabou. O que seria? Falavam português.

Nisto dos blogues também gosto de não saber o que vou ver. Gosto de visitar blogues que eu ache que por ali se escreve muito bem. Cansam-me os que falam elipticamente ou por meias palavras, como se fossem recados encriptados, como se os autores tivessem alguma na manga contra incertos. Acho que isso não acrescenta nada à felicidade de ninguém, são pura perda de tempo. Cansam-me, também, os que se repetem uns aos outros. Aliás, cansam-me as pessoas sem ideias próprias. Aquelas pessoas que, se a gente leva a conversa num sentido, já nos estão a dar razão mas que, se dermos um twist e levarmos, com assertividade, a coisa no rumo oposto, continuam convictamente a dar-nos razão -- dão-me pena. No fundo, involuntariamente desprezo-as. Marias-vão-com-as-outras, uma praga.


Gosto de aprender. Gosto de aprender coisas de que não sei nada. Há pessoas que se interessam por um assunto e estudam tudo, tudo, tudo o que há a saber sobre isso. Respeito-as. Até as admiro. Mas, sem querer, dão-me um bocado de pena. Dá ideia que se se fazem velhas sem conhecerem do mundo nem um bocadinho: afunilam num único tema e por esse tema morrem. Sou o oposto: gosto de saber pouco de quase tudo. Gosto do prazer infantil da descoberta e, de, guardando a afeição, ir em busca de novos tesouros. É como se, para mim, o mundo fosse uma imensa arca cheia de jóias raras, riquezas múltiplas, infinitas, infinitas. E eu a querer descobrir, só pelo prazer de descobrir. Não de possuir, não de saber a origem ou a história de cada uma. Apenas o prazer de descobrir.

Acho que sou, antes de mais, um animal. Um animal irrelevante, frágil. Tento não me esquecer de como vivem os animais: alimentam-se, reproduzem-se, vivem a sua vida, e, quanto muito, preocupam-se com a sua sobrevivência. De resto, é prazer e ir levando. Assim devo fazer eu: sem me achar importante, sabedora, imprescindível, ir vivendo tanto quanto possível na boa, tentando que, à minha volta, se esteja também bem.


Quando erro, corrijo, peço desculpa, tento de novo. O meu orgulho não se manifesta nisso. O meu orgulho manifesta-se noutras coisas. Já estou melhor, já não me importo tanto de dar o braço a torcer mas é verdade: tenho o meu pequeno lado de diva. E também é verdade que, se sinto que as minhas reacções não são indiferentes a alguém e se, por algum motivo, me sinto provocada, então, sim, sinto um prazer que não controlo (melhor: que não quero controlar) de fazer sofrer, um sofrimentozinho que quero que seja bobo, coisa pouca, mas que doa lá onde doem as incertezas. É verdade, gosto de tirar o tapete. Gosto. Às vezes, depois vou lá e dou a mão, digo a verdade, que era mesmo só for the fun of it. Outras não.

Também sou horrível a fechar portas pois, quando as fecho, estão fechadas para todo o sempre. E nunca mais me lembro, nunca, nunca mais -- porta fechada, fica fechada forever.
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E podia continuar por aqui a falar verdades, cada uma mais privada (e, mesmo, íntima) que as anteriores. Muitas são assim desde sempre. Outras foram ganhando corpo com a idade. Fui mudando ao longo do tempo, toda a gente muda. E isto são apenas vertentes de mim.

E, em vez de ter dito isto, poderia ter falado nas cores ou pedras preciosas que prefiro, ou poderia ter-me descrito fisicamente, ou poderia ter falado de autores preferidos, ou poderia ter falado da minha profissão, ou da minha família, ou do quanto gosto de cozinhar ou de fotografar ou de pintar ou de fazer tapetes de arraiolos. E tudo estaria certo.

Portanto, de facto, qual a minha definição? Quem sou eu?

Não sei dizer. Mais: acho que, quando chegasse ao fim, o que tivesse escrito estaria desactualizado. Eu seria, então, já outra.


Por isso, não me alongo mais. Passemos, então, ao vídeo. Lá, explica-se isto da impossível definição.

Who am I? A philosophical inquiry - Amy Adkins


Throughout the history of mankind, the subject of identity has sent poets to the blank page, philosophers to the agora and seekers to the oracles. These murky waters of abstract thinking are tricky to navigate, so it’s probably fitting that to demonstrate the complexity, the Greek historian Plutarch used the story of a ship. Amy Adkins illuminates Plutarch’s Ship of Theseus.



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Usei fotografias de Kate Moss (da autoria da dupla Mert and Marcus) porque a acho versátil e disponível para ser vista segundo os mais diversos ângulos e não é por acaso que os fotógrafos adoram fotografá-la. 
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E agora, se ainda não viram como é que a Matemática se aplica ao Sexo, deixem que vos recomende a visita do post já a seguir.

(NB: Estou cheia de sono, não consigo reler o que escrevi nem garanto que o que saiu faça sentido; se encontrarem erros ou omissões, por favor relevem; ou melhor, se estiverem para isso, avisem-me, está bem? )

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A matemática e o sexo


O algoritmo da google que interpreta os gostos das pessoas, os indexa, os selecciona e mostra pela ordem de putativa apetência é mesmo, mesmo, o máximo. Estou a ver que ele é a minha verdadeira alma gémea. Juro. Vou ver o que me é recomendado para hoje e, logo em primeiro lugar, um vídeo que, entretanto, já vi e que me deixou smiling o tempo todo.

Apenas uma coisa me maça um bocadinho: aquele corpinho escorrido da Clio, sem pitada de gordurinha, era mesmo o que eu queria. E aquelas calças, que pinta... Eu usava este tipo de roupa até há uns três ou quatro anos. Mas agora já não dá, agora já uso blusas mais soltas para disfarçar. 

Ando para começar uma dieta a sério mas há festas de anos a toda a hora. Amanhã é outra. E quando não é aniversário é Páscoa, e se não é Páscoa é Natal, e se não é Natal é almoço com todos. Sei lá. Bolas. E aquelas calças tão giras... Eu gosto de usar calças brancas mas posso lá usar assim com abas... ainda me fazia parecer mais anafada. Bolas. E sempre tive pena de não ter um cabelo assim, fininho, esvoaçante. Quem o tem queixa-se, queria tê-lo mais forte e volumoso. Mas eu, que sempre tive cabeleira farta, tinha uma pena de não poder ter um cabelo assim, escorridinho, levezinho, sensível a qualquer aragem. Agora já me habituei mas, vendo a bela Clio, penso: caraças, se eu fizesse dieta e esticasse o cabelo, talvez também pudesse fazer uns números a falar de sexo e de matemática. Assim, gaita!, é só canseiras de manhã à noite. E os sapatos...? Estou agora a olhar para eles. Bem giros.

Bom, mas invejinhas palermas à parte, eu que gosto tanto de matemática, fiquei toda contente por vê-la aqui ao serviço de uma causa tão nobre. Matemática aplicada a coisas maçadoras tem graça porque a matemática é límpida e elegante de qualquer maneira mas, enfim, admito que é para quem gosta. Agora matemática aplicada ao sexo... não há quem não tente perceber qualquer coisinha. Digo eu. 

Gostava que vissem o vídeo. Claro que alguns homens sentirão que algumas das suas gabarolices são postas em causa ou ficarão apreensivos ao perceberem que, se calhar, as mulheres têm andado a ser reservadas quanto às suas próprias estatísticas - nomeadamente: alguém acredita que em média os homens já tiveram para cima de uma carrada de parceiras sexuais e que as mulheres apenas tiveram um... vá lá dois... vá lá uns três no máximo...? Pois. Não é o que a matemática facilmente desmonta.
[E outros aspectos, tais como pôr a descoberto os ciclos hormonais dos homens ao longo do dia -- o que será útil se pensarmos que, quando a coisa está no pico, a disposição será diferente.]
Mas não me alongo pois não quero ser daquelas chatas que desvendam o enredo antes dos outros irem ver o filme.

Uma coisa posso garantir: mesmo os que não sabem resolver equações ou que não são muito entendidos nos raciocínios ligados à matemática, poderão acompanhar perfeitamente todo o vídeo.

Mathematics and sex | Clio Cresswell | TEDxSydney



Mathematics and sex are deeply intertwined. From using mathematics to reveal patterns in our sex lives, to using sex to prime our brain for certain types of problems, to understanding them both in terms of the evolutionary roots of our brain, Dr Clio Cresswell shares her insight into it all.


Dr Clio Cresswell is a Senior Lecturer in Mathematics at The University of Sydney researching the evolution of mathematical thought and the role of mathematics in society.  
Born in England, she spent part of her childhood on a Greek island, and was then schooled in the south of France where she studied Visual Art. At eighteen she simultaneously discovered the joys of Australia and mathematics, following on to win the University Medal and complete a PhD in mathematics at The University of New South Wales. Communicating mathematics is her field and passion.

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E já cá volto e a ver se venho com coisas ensinativas que agora ando em maré de serviço público: matemática, sexo, amor e outras matérias anti-políticas (como dizia a outra).


quarta-feira, março 30, 2016

Como funcionam os testes de compatibilidade? - A matemática por detrás dos encontros online.
E, já agora, o que é o amor?



Continuemos, pois.

E, se não se importam, vamos com uma das músicas que, quando me quero lembrar de uma que tenha a ver com amor, logo se me ocorre. Faz parte da banda sonora de um grande filme, Closer (de que aqui já falei algumas vezes)


No post abaixo mostrei um vídeo sobre os mecanismos que levam à atracção entre duas pessoas e, quando ainda estava envolta nas minhas próprias questões, rebatendo cada uma que se me colocava, olhei para o lado e vi que o algoritmo da google já ali tinha mais dois vídeos para mim, um eles, muito justamente, ligado a algoritmos.

Já estive a vê-los e até fiquei a saber de um site para descobrir compatibilidades, o OK Cupid. Fui à procura e, toda afoita, até ia experimentar -- mas sou afoita mas é o tanas porque parei logo, aquilo já me estava a pedir a identificação e eu não quero cá nada disso, não quero cá encontrar mais nenhum amor, que já tenho que me chegue, queria era perceber o que é que saía dali, se o dito Cupido me recomendava algum monge tibetano ou um jihadista no activo. Mas pronto, fica para outra vez. De qualquer maneira já fiquei a perceber como é que funciona.


Logo uma das perguntas que são referidas no vídeo que aqui partilho convosco e em que explica como é que aquilo funciona -- se a pessoa é organizada, se quer que o outro seja organizado e se isso é importante para si -- faz-me perceber a lógica da coisa, já que há uma atribuição de pontuação e uma calculatória que me parece fazer sentido.
[Já agora respondo: eu, no trabalho, sou organizada mas no resto não sou, gosto que o outro seja organizado mas não muito e não é tema muito relevante para mim. Por exemplo, odiaria viver com um daqueles obsessivos compulsivos que quer tudo simetricamente arrumadinho, não suportaria que me moesse a paciência a dizer que queria os livros aqui todos muito organizadinhos ou, pior, que não admitia nem um livro fora das estantes. Acho que ele é que ia porta fora. 
Nem suportaria viver com um sujeito que quisesse ser o centro das atenções. E isso para mim é relevante pois andar com um palhaço ao lado deve ser do pior que há, detesto dar nas vistas, seja por mim, seja por quem me acompanha. 
Ou se me perguntassem se prefiro um betinho ou um insolente, diria, sem hesitar, que prefiro um insolente (dá-me vontade provocar, ver se tem poder de encaixe ou se escorrega como uma mariazinha; ou seja, para mim um permanente desafio)]
Estou a escrever isto e já com vontade de construir aqui um teste e fazer uns cálculos para ver se construo o meu próprio algoritmo. Um dia que esteja acordada, a ver se me lembro disso que deve ter graça.

Mas se já percebi como é que funcionam os algoritmos que estão por detrás dos sites que arranjam parceiros compatíveis, fico na dúvida se isso funciona, de facto. Acho que se está no domínio da teoria, quase tanto como a folha de excel está para a economia real. Eu acho que a coisa só funciona se funcionar fisicamente e fisicamente só se sabe quando os dois estão face a face. Acho eu. Embora, acredite que o poder das palavras, mesmo que remotas, é efectivo, talvez até demolidor. 

Espero que, mesmo os que não apreciam grandemente a matemática, gostem do vídeo que aqui vos mostro pois é muito facilmente compreensível e é interessante para se perceber como funcionam os testes de compatibilidade de personalidades.


Inside OKCupid: The math of online dating - Christian Rudder 

(um dos fudadores do dito site)


When two people join a dating website, they are matched according to shared interests and how they answer a number of personal questions. But how do sites calculate the likelihood of a successful relationship? Christian Rudder, one of the founders of popular dating site OKCupid, details the algorithm behind 'hitting it off.'



O outro vídeo que o youtube me recomendou também é interessante. Tem a ver com uma daquelas perguntas que, tal como a outra, 'O que é a arte?', pode ter milhões de respostas e nenhuma será a definitiva. O que é o amor?
É viciante? Viciamo-nos numa pessoa? Não conseguimos passar sem saber dela? Não descansamos enquanto não a vemos, não a ouvimos ou não lemos as suas palavras? É bom o amor? É um vício bom? É daqueles vícios dos quais não nos queremos curar? Tem explicação? Ou é bom que não a tentemos sequer encontrar?

What is love? - Brad Troeger


Is love a signal winding through your neural pathways? A cliche? A cult? Love is easy to compare but difficult to define, maybe because we're fundamentally biased; we try to define love while falling in or out of it. And love feels differently to every person who feels it, but this subjective emotion has evolutionary explanations, too. Brad Troeger takes a shot at the definition of love. 

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Isto já vai longo e eu já devia estar a dormir há horas mas, já viram como é, ponho-me aqui de roda disto e esperto, parece que agora é que estava bom para começar a escrever. Caraças. Mas antes de me ir, apetece-me ainda ouvir Pablo Neruda. Devia ouvi-lo na língua original mas apetece-me dito assim, com fadiga na voz.


Here I love you de Pablo Neruda (lido por Tom O'Bedlam)


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Bem, agora é que é. Vou. 
O tema, como disse acima, complementa-se com o post a seguir, sobre a importância dos sentidos nisto da atracção.

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A química entre pessoas tem a ver com o romantismo, com o coração? Ou com os sentidos?
(E como se explica a atracção via internet? - Não sei. pergunto)


Depois de um dia daqueles, eis-me aqui aterrada, mais morta que viva. É que depois de ter madrugado e ter tido um dia dos avantajados em termos de quilómetros, com uma reunião pelo meio -- e sem que tivessem atendido ao meu pedido (não consegui dormir a sesta, imagine-se a desfeita) -- ainda voltei ao local de trabalho e, para acabar em beleza, ainda apanhei um trânsito dos diabos.

O que me valeu, no regresso a casa agora à noite, é que tinha uma garrafinha de água para ir debicando, senão tinha adormecido. Vinha ao telefone com a minha mãe e ela dizia: 'cuidado, vê lá se te deixas dormir' mas descansei-a porque, vindo praticamente parada, o prejuízo não seria grande.

Quando agora liguei o computador, vacilei, pensei que me apetecia ir dormir. Mas sou uma escrava do trabalho, não me sentiria bem se abandonasse este posto de trabalho sem cumprir o turno da noite.

Apenas há pouco, enquanto jantava a minha sopinha e a minha saladinha, vi um pouco do noticiário e pareceu-me que o plano de reformas que o António Costa apresentou era bem feito e que estava a receber elogios à esquerda e à direita. Mas não posso pronunciar-me sobre o que não conheço. Só sei é que o desgoverno do Passos e do Portas andou 4 anos para parir um plano de reformas e chocaram, chocaram e não nasceu um único pinto, e estes, em 3 ou 4 meses, parece que já apresentaram um trabalho feito com pés e cabeça. 

Enfim, adiante, cansada como estou, não me apetece bater em ceguinhos (e eles,  coitados, são daqueles de quem se diz que quem não sabe é como quem não vê, ceguinhos, ceguinhos).

E agora, enquanto escrevo, ouço na televisão uma repórter que fala compulsivamente, uma verdadeira picareta falante. Houve tiroteio na Musgueira ou na Alta de Lisboa (ainda não percebi) e ela está em delírio, até já está ofegante, parece que atingiu o seu momento de glória e que não está a suportar tanta auto-euforia. Se há barracada no Brasil as nossas televisões entram em histeria, é Dilma e Lula em overdose; se há drama em Bruxelas, é de manhã à noite, se há um congresso com a Cristas, é non stop. Agora há uma rixa entre grupos rivais e está tudo em transe, já com comentadores em tempo real e os directos a mostrarem ruas com um ou outro polícia ou a porta do hospital de Sta Maria. Do estúdio uma pergunta à outra qual o estado físico das vítimas. Se lhe mostrassem uma perna com um buraco aí é que elas se babavam. Credo. Que doença, isto. Uma parvónia angustiante, esta comunicação social. Qualquer osso que lhes atirem, e aí vão todos, esquecidos do que se passa no resto do mundo.

E eu não tenho assunto porque com a cabeça esvaída e aquelas moças ali a matraquearem-me os ouvidos, não consigo articular uma linha de raciocínio.

O que vale é que o meu amigo, o algoritmo da Google, zela por mim. Liguei o YouTube e o que o fulano 'recomenda para mim' é inacreditável. 

Não é pela raça dos supostos envolvidos no tiroteio, mas ocorre-me dizer que estou com um olho no burro e outro no cigano; e, assim sendo, enquanto espreito a coboiada na televisão e escrevo, já estive a ver um dos vídeos e, dado que lhe acho graça, partilho-o convosco.

Trata dos mecanismos da sedução ou da atracção e da importância dos sentidos nisso. Concordo plenamente. Mas intriga-me a sedução ou atracção via internet. Se as pessoas não sabem como são fisicamente, se a pele é macia, se a voz é agradável, se o olhar é cativante, etc, que mecanismos é que são activados para as pessoas se sentirem inelutavelmente atraídas? Ainda hei-de ver se descubro. 



A ciência da atracção


Romantic chemistry is all about warm, gooey feelings that gush from the deepest depths of the heart...right? Not quite. Actually, the real boss behind attraction is your brain, which runs through a very quick, very complex series of calculations when assessing a potential partner. Dawn Maslar explores how our five senses contribute to this mating game, citing some pretty wild studies along the way.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

(Acho que hoje não me enganei... Hoje é que é quarta-feira, certo...?)

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terça-feira, março 29, 2016

O Marcelo e a aprovação do OE que deve ter deixado o Láparo com um big melão.
O Louçã que foi convidado como comentador da TVI e deu nota 18 ao Presidente.
E, nada mais havendo a declarar, mostro a secretária onde costumo dormir a sesta no escritório e o sofá que espero bem que esteja à minha espera para eu descansar quando o sono apertar durante a reunião.


Bem, agora que já coisei a propósito do amor e da senhora que achava que o amor coiso e tal -- e se estou a falar de coisidades é apenas para usar terminologia que o seu (dela) amor usava para aprofundar os temas onde mergulhava -- deixem que vos diga que isto parece que qualquer coisa está a mudar aqui pelo burgo porque, apesar de não ter conseguido ouvir o Marcelo a aprovar o Orçamento 2016, ainda cheguei a tempo de ver o Louçã como comentador na TVI,
- o Louçã! Não o David Dinis, não o João Miguel Tavares, não o Baldaia, não o José Manuel Fernandes, não o Henrique Raposo, não a Helena Matos, não nenhum outro desses veteranos... mas, pasme-se, o Louçã, ele mesmo, em pessoa! -
e não é que o Louçã deu nota 18 à justificação que o Marcelo deu ao País para aprovar o OE...? O Marcelo, ao ouvir isso, até deve arrulhar de contentamento. Fogo... o Louçã a dar um 18 ao Prof. Marcelo?! 

Ultimamente não tenho visto muita televisão pelo que não presenciei o momento exacto em que a coisa desbalanceou e pendeu para um lado diferente daquele para onde andou pendido nos últimos quatro anos. Mas uma coisa é certa: a julgar pelo que hoje me foi dado testemunhar, parece que, em pouco tempo, o país se virou de pernas para o ar e, se tínhamos um Governo liderado por uma criatura com alguns défices cognitivos e uma Presidência ocupada por um senhor com poucas maneiras e que tinha bebido pouco chá em pequenino, agora até parece que entrámos na normalidade e temos um país bem governado e bem presidido. 

Pelo que o Louçã contou -- e o Louçã fala bem, é claro na exposição, é afável na argumentação -- fiquei com pena de não terem infiltrado um drone ao pé do Láparo, do Bácoro e dos seus muchachos. Sempre gostava de lhes ter visto a carinha de tacho enquanto o Marcelo lhes dava com a tampa na carola. Depois de já por diversas vezes lhes ter tirado o tapete, agora não perde oportunidade de lhes saltar em cima a pés juntos.

Claro que agora podia tentar ouvir essa conversa do Marcelo mas, em vez de ter a televisão num canal de notícias, tenho no Alvim no 5 para a meia-Noite. A esta hora já só tenho paciência para malucos mas malucos de verdade, que se assumem como malucos, não para malucos armados em comentadores ou deputados.

Tirando isso e não querendo falar da senhora que se atirou ao mar para ver se apanhava o paquete onde ia o marido escorraçado (e não quero comentar porque primeiro gostava de saber se a senhora é boa da cabeça pois não quero pôr-me para aqui com chalaças sobre alguém que esteja a bater mal), acho que me vou ficar por aqui pois esta terça-feira tenho que madrugar, mais um daqueles dias que dura, dura, dura. 

Se soubessem o sono que volta e meia, depois de centenas de quilómetros, me dá nas reuniões... Um sacrifício para me manter acordada...

Quando isso acontece no meu gabinete já tenho o problema resolvido. Arranjei uma secretária multi-usos que de tarde uso sempre. Abro a portinhola para o espaço ficar arejado, entro na caminha e durmo até serem horas de me despachar e pôr-me a caminho. Eu mostro pois podem achar inspirador e seguir o meu exemplo.

Quando está fechada, uma secretária normal

Quando se abre, para eu poder pôr o sono em dia, fica assim: agradável

Para amanhã, que é dia de reunião fora do escritório onde habitualmente trabalho, já pedi que, numa salinha ao lado, fizessem o favor de instalar uns sofás confortáveis. Enviei o desenho e o link para o local onde os descobri para que façam a gentileza de tratar do assunto. Espero que me tenham levado a sério.

Disse-lhes que uns 4 destes devem chegar porque a maior parte são homens portugueses e os homens portugueses têm a mania de se armar em machões, não precisam de descansar, são muito feras, sempre alerta. 

Para mim pedi também uma mantinha com touca para me sentir aconchegada, não ouvir barulho e dormir como deve ser
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Já agora, para não dizerem que vieram aqui perder tempo e nem uma musiquinha para alegrar a vossa alma, deixem que mostre aquela rapaziada dos Ok Go de que eu tanto gosto. Aqui estão a fazer publicidade a mobílias o que, como é bom de ver, vem muito a calhar. Vejam que é muito bom, nada a ver com cantorias místicas e pinceladas balléticas.


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E é isto. Relembro que sobre amores mal digeridos há falatório filosófico no post abaixo. 
Espero que aprendam alguma coisa e depois que façam a caridade de vir cá contar, ok?


Hannah Arendt e o amor
- não é por nada mas em alguns aspectos até parece que, nisto do affair com o Heidegger, se juntou a fome com a vontade de comer


Estava eu folheando a revista Bula e dou com umas cenas da Hannah Arendt armada em poeta, uma coisa que, a meu ver, é muito chocha, daquelas experiências a que algumas pessoas se dedicam quando lhes dá para o lirismo -- passarinhos pipilantes, gotas de chuva, pingo, pingo, amores incompreendidos, ventos que parecem lamentos e ameaçadoras nuvens cinzentas. E, quando já eu estava a franzir o sobrolho, dou com uma dissertação que ainda me deixou mais desconfiada: um texto todo prosa, com um título todo a armar-se ao poderoso mas, ó senhores, uma basbaquice de dar dó.

Não é que ela, como filósofa, não tenha obra capaz. Tem, e as suas palavras mantêm-se e manter-se-ão válidas forever. Não que eu seja entendida, claro, até porque é sabido que eu é mais cozinhados (podia dizer que eu é mais bolos mas, não, não gosto de fazer bolos porque requerem que se siga a receita e eu sou demasiado anarca). Mas, com a ligeireza que me caracteriza, posso dar-me ao luxo de mandar umas bocas a propósito de alguns temas mais exquisites. Por isso, com a devida licença dos fundamentalistas, deixem que o diga: uma pessoa pode ser boa na sua área mas sê-lo apenas num determinado ramo. Ora o ramo da Arendt, cá para mim, devia ser mais o mal, não o amor -- pelo menos a julgar pela conversa que abaixo transcrevo.

Hannah Arendt  e Martin Heidegger

E digo isto porque acho que ela não devia perceber bem o que era isso do amor -- e não percebia que não percebia -- senão não falava como o descreveu, como se isto do amor fosse matéria sujeita a dissecações e a escalpes e como se alguma vez uma criança fosse um 'entre' duas pessoas que se amam e mais não sei o que ela para ali diz, senhores...

A confusão que vai na cabeça das pessoas que têm o vício de dissertar sobre tudo e sobre nada mesmo do que não conhecem é uma coisa que aflige. Pôr-se uma pessoa a cortar o amor às postas é assim como pôr-se um burocrata da gramática a retalhar as estrofes do Lusíadas. 
Quando se encontrava o sujeito e se conseguia acasalá-lo com o predicado e com todas as outras coisas que, quando aprendi, se chamavam complementos directos e indirectos e que agora mudaram de nome, já uma pessoa se tinha alheado do sentido da coisa.
Senhores, nada pior que gente chata que tinge de mau feitio tudo aquilo em que toca, que isto de contar orações nos Lusíadas ou filosofar a propósito das crianças expelidas só pode ser mau feitio. Ora vejam bem o que aquela alma de Deus foi capaz de dizer sobre o amor (que é uma coisa tão simples, tão sem gramáticas, tabuadas ou receitas).

O amor é uma poderosa força antipolítica


“O amor, em virtude de sua paixão, destrói o ‘entre’, esse espaço que nos relaciona com outros e nos separa deles. Enquanto dura seu encanto, o único ‘entre’ que pode inserir-se no meio de dois amantes é a criança, o próprio produto do amor. A criança, esse ‘entre’ com que os amantes agora estão relacionados e mantêm em comum, é representativa do mundo onde ela também os separa; é uma indicação de que eles inserirão um novo mundo no mundo existente. Por meio da criança, é como se os amantes retornassem ao mundo do qual seu amor os expeliu. Mas essa nova mundanidade, resultado e único final possíveis de um caso de amor, é, num certo sentido, o final de um amor, que deve superar novamente os padrões ou ser transformado em outro modo de estar juntos. O amor por sua natureza não é mundano, e é por isso — não por raridade — que é não apenas apolítico, mas antipolítico, talvez a mais poderosa de todas as forças antipolíticas humanas.”

(Trecho de “A Con­dição Hu­mana”, de Hannah Arendt)

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E já agora, para que não pensem que tenho alguma coisa contra a senhora -- claro que não tenho -- vejam bem um dos seus poemas (supostamente feito a pensar no seu amor, o Heidegger, aquele chato que, no meio de algumas de jeito, se se distraía enchia páginas a falar da coisidade das coisas e de outras coisidades do género)

Por que você dá sua mão
Envergonhado, como se fosse um segredo?
Você é de uma terra tão distante
Que não conhece o nosso vinho?

...


De qualquer forma, não sou fechada à erudição pelo que se houver aí algum Leitor dado às ciências ocultas e que consiga descortinar siso e profundidade, quiçá até profundidade de campo, no primeiro texto ou sentido estético no pequeno poema, pois é só explicar-me, mas explicar devagarinho, que eu, com a minha abertura de espírito, cá estarei para tentar alcançar.

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Já agora, porque acima referi aquilo de ela ser expert no mal (e isto de dizer que ela é uma expert já sou eu a querer portar-me bem; podia, em vez disso, falar em skills -- e, lá por estar com este linguajar de consultora de meia tigela, que não se pense que há menos respeito; isto é só mesmo uma maneira de sacudir a poeira), uma cena do filme homónimo dirigido por Margarethe von Trotta:

Hannah Arendt  (Banalidade do Mal)



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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira (corrijo, depois de ver o comentário abaixo) terça-feira!

E divirtam-se, ok?


segunda-feira, março 28, 2016

Um imenso mar de gente que gosta de partilhar




Agora que já partilhei convosco as receitas dos acepipes deste meu domingo pascal e depois de ter estado a escolher fotografias e a enviá-las para os meninos, e que também já dei uma circulada pela net (fechando os olhos aos atentados e às corrupções), venho aqui dizer-vos que gostava mesmo que, como por magia, isto da Páscoa fosse um tempo de mudança, tudo do melhor para toda a gente, uma espécie de euromilhões a todos os níveis. Toda a gente apaixonada, toda a gente motivada, com projectos novos, toda a gente com vontade de ir para a rua passear e conversar, de estar na esplanada ao sol, a olhar quem passa, toda a gente com vontade de ler e de contar aos outros sobre os livros bons que leu, e toda a gente a gostar de ir trabalhar ou, não gostando, a ser capaz de encontrar outro trabalho, ou não o tendo, a encontrar um mesmo bom, e toda a gente a ter com quem falar, e toda a gente a ter a quem abraçar. E toda a gente com vontade de sorrir, de rir, de ir ter com aqueles que se afastaram e recomeçar a conversa como se não se tivesse passado tempo nenhum, ou, se alguém disse alguma coisa que magoou outra pessoa, a ser capaz de pedir desculpa e dizer, vamos recomeçar, vamos ver se desta vez a gente se entende.

Dito assim parece desejo infantil, uma utopia ingénua, completamente desligada da realidade e injustificável numa pessoa da minha idade. Mas é o que eu desejo e acho que, se o disser, pode ser que aconteça.


Ponho-me aqui, sem ter qualquer objectivo, apenas pelo gosto de escrever, mesmo que escreva não mais do palavras soltas, palavras que irão perder-se no infinito espaço. Mas, mesmo sabendo que as minhas tocarão outras e se trocarão entre si, uma e outra vez, e que, um dia nem eu as reconhecerei ou saberei explicar porque as escrevi, mesmo assim escrevo.

E, enquanto escrevo, aqui na minha sala quase às escuras, apenas um pequeno candeeiro sobre o computador, gosto de escolher músicas, poemas, toadas, embalos luminosos que, depois, gosto de partilhar convosco. Alguém as colocou no mundo para que outros, como eu, as ouvíssemos. É um imenso mar de gente que, por exemplo, partilha pensamentos, opiniões, sorrisos, gostos musicais e mundos encantados, emoções, silêncios e divinas toadas, perplexidades, memórias e reflexões, disparos certeiros, patadas e bacoradas, que nos leva pelos seus caminhos da floresta, que nos traz leituras dos caminhos do mar, da terra e do céu, que nos convida para o lado caliente do mundo, que nos mostra o que os seus olhos vêem em lugares onde dificilmente iremos. Um mar de gente, um imenso e maravilhoso mar de gente que gosta de palavras. É como se todos nós deixássemos oferendas nas portas uns dos outros, todos nós, pessoas generosas, espalhando dádivas, sorrisos. Como se estendêssemos as nossas mãos para que outros as tocassem.

Por vezes pasmo com os milhares de blogues de toda a espécie que há. É verdade, há tantas pessoas que escrevem, tantas, tantas que ao longe, invisíveis, se unem pelo gosto das palavras. É verdade: poderia ser um diário, um caderno de notas, bilhetes postais, epístolas em papel perfumado, bilhetinhos em garrafas deitadas ao mar. Mas é assim, as mãos deslizando pelo teclado, as palavras nascendo na tela branca, quase a perderem-se de nós, quase mais vossas do que de nossas, desprendendo-se de nós.

Estas agora voando de dentro de mim. Já não minhas. Entrando pelas vossas janelas, chegando-se aos vossos corações.

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(...)
The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles
in happiness
and the soul comes
joyful to the eye
(...)
Song de Allen Ginsberg (lido por Tom O'Bedlam)

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As fotografias foram feitas neste domingo, ao fim da tarde. 
Lá em cima Anna Netrebko interpreta Casta Diva de Bellini.
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Relembro: caso queiram saber o que foi o meu menu de Páscoa e conhecer as receitas, é fazerem o favor de descer até ao post seguinte.

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Almoço de Páscoa
- as receitas


A minha filha tinha dito que achava que devia ser qualquer coisa boa, mesmo com ar de festa ou de Natal, até falou em bacalhau. Mas bacalhau é mesmo de Natal ou de dia normal, não de Páscoa. Depois falou num galo recheado mas, lá está, coisa que não tem a ver com Páscoa. O meu filho falou em cabrito mas a minha nora não gosta dele tipo de animais e a minha filha também não simpatiza demasiado. Então ele disse que, se não fosse isso, meio leitão assado no forno. Ora onde ia eu arranjar meio leitão e como iria assá-lo sem ter que me levantar de madrugada? Portanto pensei, pois que seja cabrito e, para além disso, faço também um tabuleiro de arroz de carnes para quem não gostar do cabrito. Além disso, os miúdos gostam sempre de arroz de carne com salsichas em cima. Eles dizem que são salsichas mas verão que é outra coisa.

Portanto, vamos lá ver se sou capaz de reproduzir porque não sigo partitura, nem sequer é de ouvido, é mesmo na base do improviso, uma cena tipo jazz culinário, prazer em experimentar, em fazer. Fotografias só tenho da sobremesa e foi porque a minha nora me enviou. O resto saiu do forno directamente para a boca dos comensais sem oportunidade para sessão de fotografias:

Cabrito da Páscoa


Liguei o forno a 250º, com calor em cima e em baixo.

Limpei bem o cabrito, retirando as gorduras. Num tabuleiro grande de ir ao forno, coloquei um fio de azeite, depois duas cebolas cortadas aos bocados. Por cima da cama de cebola coloquei os pedaços de cabrito. Salpiquei com sal, não muito, alguns dentes de alho fatiados, algumas folhas de louro. Reguei com um pouco de vinho tinto. Por cima coloquei mais azeite.

Por essa altura já o forno estava bem quente. Coloquei o tabuleiro sobre o tabuleiro do forno, a duas espaços do fundo. Assim, nem recebe muito calor directo nem de cima nem de baixo. Nessa altura baixei para 210º.

Ficou assim uns 15 minutos. Depois, tirei o tabuleiro para fora e voltei os pedaços ao contrário. Mais 15 minutos.

Ao fim desses 15 minutos, tirei o tabuleiro, voltei de novo os pedaços e cobri ao de leve com mel. Nuns pedaços coloquei alecrim. Noutros não, porque alguns dizem que não gostam.

Nessa altura o forno passou para os 160º. Ficou assim uns 30 a 40 minutos, mais coisa menos coisa. Depois voltei a virar, a cobrir com um pouco de mel e, para garantir que não secava, cobri a carne ainda com rodelas de maçã descascada. 
Entretanto, cozi batatas doces cortadas aos cubos. Depois, quando estavam quase, escorri-as.
De novo para o forno mais uns 30 a 40 minutos, por aí, agora com as batatas nos espaços livres do tabuleiro. Por fim, já tudo bem dourado, ficou no forno a 140º mais um pouco mas a partir de certa altura, antes disso, já tinha um outro tabuleiro na prateleira de cima (o do arroz de carnes), pelo que já não recebia calor directo de cima.

No fim estava macio, suculento, saboroso. Se alguém pensa que fica doce, afianço que nem um pouco. Toda a gente gostou mesmo as meninas que não costumam ser fãs de cabrito.

Tinha cozido feijão verde que, depois, temperei apenas com azeite; acompanhou o cabrito com a batata doce.

Havia também salada de tomate.

Arroz de carne


Num tacho grande, coloquei cebola picada, alho picado, louro e fiz um ligeiro estrugido. Juntei 3 peitos de frango, 6 bifes de porco, umas fatias de entremeada e deixei fritar ao de leve. Juntei sal e um bocado de água e deixei cozinhar.

Quando a carne estava cozinhada, retirei-a e parti aos bocadinhos. Juntei ao caldo um pouco de sopa juliana (couve e cenoura raladas), e uns cubinhos de bacon e umas rodelinhas de chouriço de carne.

Depois de cozinhar um pouco, juntei a água até perfazer cerca do dobro da quantidade de arroz que ia pôr e deitei a carne cortada lá para dentro. Quando ferveu, juntei o arroz. Quando ainda tinha um pouco de água, retirei e passei para um tabuleiro de forno. Por cima, coloquei bacon às fatias e rodelas de chouriço e de linguiça. Coloquei o tabuleiro sobre a grelha do forno, por cima do tabuleiro do cabrito. Ficou no forno até ficar seco e as carnes de cima levemente tostadas.

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Sobremesa

A minha filha trouxe uns belos morangos e a minha nora, que é uma talentosa doceira, trouxe um bonito folar que fez as delícias de todos. Deixo a receita do folar que ela me enviou:

Folar de Maçã



Ingredientes:
600 g de farinha
255 g de manteiga sem sal
150 g de açúcar amarelo
100 g de amêndoa granulada
450 g de maçã
3 ovos
1,5 dl de leite
1 saqueta (4,6g) de fermento seco de padeiro (eu usei 25 g de fermento padeiro)
1 colher de sopa de açúcar
1 pitada de sal
Sumo de 1 limão
2 colheres de sopa de mel.

1. Aquecer o leite sem deixar ferver. Retirar do lume e adicionar 175 g de manteiga.

2. Dissolver o fermento na mistura morna de leite e manteiga.

3. Colocar numa taça a farinha, a colher de sopa de açúcar e o sal. (Acrescentei uma colher de chá de canela e raspa de 1 limão)

4. Bater os ovos.

5. Juntar os ovos batidos e a mistura de leite e manteiga à farinha. Amassar até a massa ficar homogénea.

6. Tapar a taça com um pano de deixar a levedar durante duas horas, em local reservado.

7. Depois de lêveda, estender a massa, em forma de rectângulo, numa superfície polvilhada com farinha.

8. Derreter 80 g de manteiga. Pincelar a massa com a manteiga derretida. Polvilhar com 150g de açúcar amarelo, um pouco de canela em pó e a amêndoa (ou nozes).

9. Descascar as maçãs. À medida que se descascam regar com o sumo de limão.

10. Cortar as maçãs em pequenos cubos.

11. Colocar as maçãs cortadas em cima da amêndoa (ou nozes).

12. Enrolar a massa de modo a obter um rolo.

13. Cortar o rolo de massa em 14 fatias grossas.

14. Dispor as rodelas numa forma redonda, de 26 cm, untada com manteiga. Tapar a forma e deixar levedar durante 30 minutos.

15. Levar ao forno pré-aquecido a 180ºC durante 50 minutos.

16. Depois de cozido, desenformar ainda quente. Pincelar a superfície com mel, se necessário aquecer um pouco o mel.
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Claro que sobrou comida mas agora temos uns tabuleiros de alumínio com tampa e, no fim, cada um prepara o seu farnel.

Quando estou a fazer a comida, tenho o meu marido sempre a querer que faça mais quantidade para eles poderem levar uma marmita bem composta.

Dantes, levavam tupperwares que depois me via grega para recuperar. Assim, com estes tabuleiros de alumínio descartáveis, é mais prático.
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A seguir houve caça ao tesouro com ovinhos de chocolate. Durante a tarde, para além de jogarem às escondidas e outras brincadeiras ainda houve cantigas e coreografias a propósito. Uma alegria enorme, todos contentes, todos brincalhões, miúdos e graúdos, risos, gargalhadas, várias vezes de irmos às lágrimas.

Escusado será dizer que, quando eles saíram, estava perdida de sono.
Já agora que não se pense que me levantei de madrugada. Não, nada disso. Comecei a cozinhar um pouco antes das 11 (horas novas) e estava tudo pronto quando chegaram (13:30). 
Mas ainda quis ir fazer uma caminhada. Estava um fim de tarde muito bonito, o dia já grandinho, uma luz suave. Ainda fiz umas fotografias. No regresso já vinha sem pingo de energia. Cheguei a casa, deitei-me no sofá e nem deu tempo de abrir um livro. Apaguei sem apelo nem agravo. Depois acordei pronta para outra e fui fazer sopa.

domingo, março 27, 2016

Páscoa




Quando me despeço dos meus colegas ou se me cruzo com conhecidos na quinta-feira antes da Sexta-Feira Santa (acho que se chama da Paixão, mas não estou certa), toda a gente deseja 'Boa Páscoa' e eu, que não ligo à data, digo o mesmo. Mesmo aqui, nos comentários, se me desejam uma boa Páscoa, eu retribuo. No fundo, estou a desejar que tenham um bom dia e, se lhe atribuem significado religioso, desejo também que se sintam apaziguados consigo próprios e com os outros, sentindo que é um tempo de recomeço.


Eu, muito sinceramente, não ligo. O meu sentido de religiosidade é muito meu, uma espécie de agradecimento ou de sentimento de felicidade por me ser dado testemunhar milagres como a da existência de vida ou da perfeição da natureza. Penso que não vou além disso e também não dirijo o meu agradecimento a nenhuma entidade em concreto. E se no que se refere a crenças em divindades é isto, ainda mais limitada sou no que se refere a rituais. Contudo, em datas assim, Natal ou Páscoa, gosto de ter a família reunida e gosto de preparar um bom almoço. E gosto que haja no ar um ambiente de dia de festa. E isso, para mim, é bom.


Na sexta-feira, estava eu em casa da minha mãe, e ela rodeada por todos os netos e bisnetos, uma algazarra que deixou o meu pai à beira de um ataque de nervos, tocaram à campainha. Era uma vizinha.
Essa vizinha, em tempos, foi dona de um salão de cabeleireira (como se dizia). Depois deixou-se disso, provavelmente trespassou o estabelecimento, e passou a gozar dos rendimentos. Contudo, as saudades fizeram o seu caminho e, desde há algum tempo, em casa adaptou um quarto e a casa de banho e fez uma espécie de mini-salão caseiro para amigas. Por amizade e comodidade, a minha mãe vai lá e quase todas vizinhas também. 
Então, dizia eu, ela foi lá a casa da minha mãe para dar um beijinho mas estava com pressa que já tinha uma amiga à espera, para arranjar o cabelo. E acrescentou que já passava das quatro da tarde, já não fazia mal. Perguntei se dizia isso por causa da digestão e ela atirou a loura cabeça para trás, deu uma gargalhada e esclareceu que não, que para quem acredita, disse ela, só a partir da tarde de sexta feira é que já se se aceita, é isto da quaresma, não sei bem, mas há quem ache que não deve. E ria-se de gosto, penso que por eu ter pensado que tinha a ver com a digestão. Fiquei admirada com aquilo mas a minha mãe também não foi capaz de adiantar muito mais. De não se poder comer carne já eu sabia, agora de não se cortar ou arranjar o cabelo foi novidade para mim.


Ou seja, há costumes que fazem sentido para quem é crente e incompreensíveis para os agnósticos, como eu. Mas respeito.

Por isso, apesar de para mim ser apenas um dia de almoçarada familiar, a todos quantos atribuem um significado especial ao dia de Páscoa, aqui deixo os meus votos de um dia feliz. E se alguns de vocês, meus Caros leitores, estão a desejar um recomeço, um novo rumo, pois que isso aconteça e que o que vier venha por bem -- e que, com a ressurreição e com a primavera, melhores dias estejam para chegar.

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Se o almoço ficar bom, depois logo vos digo como fiz. A esta hora ainda não sei como vou fazer.
Estou inclinada a fazer umas variantes para agradar a gregos e troianos.

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As fotografias foram feitas, este sábado, in heaven. 
O coro Oxford Camerata interpreta Ave Generosa de Hildegard von Bingen
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E, se estiverem para isso, deslizem até ao post seguinte para lerem as palavras de dois leitores, e depois até ao mais abaixo para as novidades destes últimos dias.

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Uma vez mais:
O que é a arte?
-- a palavra aos Leitores Joaquim Castilho e P. Rufino


Pintura que integrou a exposição 'A felicidade em Júlio Pomar'

 


O que é a arte? Para que serve a arte?


Para que serve uma paisagem desértica ou uma montanha nevada?

A arte, tal como por exemplo uma paisagem, pode transmitir-nos emoções agradáveis ou penosas, evocar memórias, ampliar a nossa sensibilidade, permite-nos ver e sentir para além da realidade racional, objectiva e “ utilitária” do quotidiano.

Contrariamente ao que normalmente sucede com uma paisagem, a arte é uma construção levada a efeito por um produtor, um “artista” que pretende realizar com volumes, cores palavras, com fixações em telas ou em papel fotográfico, por exemplo, as emoções ou uma qualquer mensagem que ele próprio pensa ter descoberto e que julga interessante dar a conhecer a outrem. Esta actividade exige “inspiração e transpiração” e é muitas vezes penosa de realizar até o artista julgar ter conseguido atingir o objectivo pretendido.

Aprendi, como engenheiro de telecomunicações, que para comunicar algo a alguém é necessário um emissor, o artista, um receptor, o público interessado na fruição da obra de arte, e um meio de comunicação, o objecto artístico, mas também uma linguagem que seja compreendida pelo receptor sem a qual não existirá transmissão do que quer que seja.
Se um chinês me comunicar na sua língua qualquer coisa eu não irei receber nada porque não falo chinês.
Se não me for acessível a linguagem utilizada pelo artista, ou se ele não me facilitar essa compreensão, não posso entender o que ele me quererá dizer e não posso fruir a obra de arte.

Muitos artistas constroem uma linguagem que nos é perceptível pelo facto das suas obras nos conseguirem transmitir as emoções que teriam pretendido expressar mas nem sempre são exactamente as que o artista terá querido exprimir mas uma transmissão funcionou.

Ubu Roi III - Miró, 1966

Gosto do Miró ou do Pomar porque sou sensível à sua linguagem reproduzida em inúmeras obras. 

Detesto o Cabrita Reis por não consigo “sentir” o que ele me quer dizer. Chego mesmo a pensar que ele não “fala“ qualquer linguagem. Mesmo os especialistas que a procuram traduzir por palavras escrevem numa linguagem tão hermética que eu sou incapaz de a perceber.


I dreamt your house was a line - Cabrita Reis, 2003

As linguagens vão evoluindo através dos séculos. Há artistas que morreram e outros que continuam vivos porque as linguagens que utilizaram continuam vivas.

É normal que os artistas procurem sempre outras linguagens, sempre foi assim, mas procurar não significa necessariamente encontrar. Um dos problemas da arte contemporânea é que há demasiada sede de procura e raramente se encontram linguagens perceptíveis à nossa sensibilidade de “receptores” comuns mesmo que a procuremos ir educando e façamos um esforço nesse sentido.

Depois aparece a “máfia” dos galeristas, dos colecionadores, dos críticos, dos gestores de museus, curadores de exposições e editores revistas de arte etc. etc. desejosos de “valorizar” as obras de arte dos “se” artistas que ainda complicam mais a situação.
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Acrescento ainda alguma coisa à minha longa “narrativa“ (...) uma vez que (...) talvez seja falando de música, da linguagem musical, que o meu texto possa ganhar alguma verosimilhança! 

O canto gregoriano, a ars nova, as linguagens trovadorescas medievais, as oratórias. os madrigais, o nascimento da ópera, a música pré-barroca, o barroco, a musica clássica, o romantismo, o impressionismo etc., etc.

Linguagens que poderemos ir compreendendo e que nos vão facilitando a recepção de sonoridades diversas, de diversas épocas, que traduzem emoções, memórias, planícies e montanhas que descobrimos e por onde é bom viajar.

Die Lebensstufen (The Stages of Life), Caspar David Friedrich, 1835
Encontrámos desde o século passado o dedecafonismo, a musica minimal repetitiva e outras linguagens como a do referenciado Eric Satie, inclassificável como ele próprio, depois becos sem saída como Scelsi, Stockausen, Boulez, Xenakis que sábia e honestamente tentaram novos caminhos. Novas clareiras com Gubaidulina, Ligeti ou Part e tantos outros que procuram e talvez tenham encontrado e que terão aberto caminhos que os “mais famosos” vieram a revelar.

Botas como as de Van Gogh ou torturadas paisagens como as Caspar David Friedrich enriquecem-nos porque terá havido sempre e continuará a haver alguém que, através da Arte, nos quererá dizer qualquer coisa e nos irá sendo possível sentir o que nos querem transmitir mesmo sem os compreender. Ligação absolutamente necessária entre o emissor criador e o receptor fruidor da obra de Arte .


Texto da autoria de Joaquim Castilho, enviado através de comentários a posts abaixo

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Este tema, sobre o que é a Arte, é muito interessante e estimula uma boa e saudável discussão. 



Aqui há uns bons meses comprei um livro na FNAC que aborda esta questão de uma forma curiosa e mesmo cativante. Uma excelente obra. O autor é Julian Bell e o livro intitula-se, “Espelho do Mundo – Uma Nova História de Arte”. Já conclui a sua leitura há uns tempos e não me arrependi um momento sequer. É um livro grande, de muitas páginas, que leva tempo a ler – com atenção. (...)

No fundo, o significado de Arte tem também a ver com as sensibilidades de cada um. Da percepção que temos de objectos (um quadro, uma escultura, por ex) e sons (música), por exemplo. Mas, julgo também sobre o sentido desses mesmos objectos e sons. Da sua beleza. Da sua capacidade de nos atrair. Daquilo que podem significar e transmitir. E talvez também da dificuldade da sua execução (quer pela duração da sua concepção, quer pelo esforço mental que exigiu, etc).

Há muitas variantes no que respeita ao conceito que nos leva a definir Arte. E a Arte e o seu conceito evoluiu, ao longo dos tempos. E houve momentos em que aquilo que se seguiu, um novo estilo, foi rejeitado de início, para ser admirado mais tarde. Na Pintura (recordemos as primeiras reacções aos artistas Impressionistas, um dos vários exemplos), como na Escultura, como na Música (Stockausen, Xenakis, etc, aqui mencionados por outro Leitor que gosto de ler). Mas, também na Literatura. António Lobo Antunes, se bem me recordo, teve os seus contestatários pela forma como se revelou a escrever, ao não seguir a escrita com a pontuação tradicional (o mesmo para Saramago, que depois foi Prémio Nobel). Nalguns casos, o que chocou o conceito de Arte foi a sua (total) inversão.

Por exemplo, como dizia um crítico, a desconstrução de se conceber Arte.

La soupe - Pablo Picasso, 1902-1903

Picasso e outros foram exemplos disso (todos os movimentos que se seguiram ao Impressionismo, para além do Cubismo, o Surrealismo, o Expressionismo, Fauvismo, Futurismo, etc, ousaram reinventar a concepção de Arte).

Passaram a conceber a Pintura de uma forma até ali completamente diferente. Foram ousados e criaram um novo estilo. Inovaram. Goste-se ou não, ninguém discute hoje as suas qualidades artísticas e o seu lugar – relevante - na História da Pintura.

Le Rêve - Picasso, 1932

Naturalmente que há e houve em muitos casos, na concepção de determinada obra (Pintura, Escultura ou Composição musical), razões de natureza pessoal, experiências ou vivências desse tipo que levaram à concretização dessa obra. Os exemplos são vários, alguns até fascinantes. Agora, também terá de haver algum rigor para se considerar, ou incluir no conceito de Arte, determinada obra. É que nem sempre um excesso de ousadia, ou de inovação, ou de desconstrução, ou de abstracção, pode, ou deve, ser considerado Arte. Ou não deveria. Hoje, todavia, relativizou-se muita coisa, até na Arte. Por mim, desde que uma composição musical, um quadro, uma escultura, um livro, me fascine, pelo gozo que me deu de o desfrutar, já me sinto feliz. 

Les Deux Sœurs - Auguste Renoir, 1881

(PS: tenho imenso respeito por Martin Heidegger (com quem Herbert Marcuse colaborou, em particular num trabalho sobre Hegel – sempre admirei muito Marcuse), mas ainda hoje me custa entender aquela sua atitude perante o Nazismo, sobretudo vindo de alguém da sua estatura intelectual. Ficou a dever bastante a Hannah Arendt (com quem teve um “affair”, a sua recuperação, ou “desnazificação”). Outra nota: embora goste de Van Gogh, prefiro, por ex, Renoir (ou Monet, Manet)).


Texto da autoria de P. Rufino, enviado através de comentário a post abaixo

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Agradeço a ambos os Leitores os seus contributos e espero que não levem a mal que tenha puxado os seus comentários para o corpo principal do Um Jeito Manso.

A selecção de obras que usei para ilustrar o texto é da minha responsabilidade embora tenha sido feita a partir das referências dos seus textos.

A música lá em cima, Magnificat, é da autoria de Arvo Pärt.

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