segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Enquanto eu estou longe será que lá, in heaven, o alecrim perfumado, os caminhos macios, as belas árvores, as paredes douradas e tudo o mais que olho com tanto carinho sentem saudades de mim?


No post abaixo falei de amor, de namoro, de rosas, de palavras apaixonadas, de beijos, de corpos envolvidos em dança de sedução e entrega. Não é que o Dia de S. Valentim tenha chegado mais cedo ou que festeje qualquer outra data especial mas é por isso mesmo, porque não têm que ser datas especiais para se falar de amor, seja qual for o seu grau, tipo ou duração.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.







Os dias correm a uma velocidade enervante. Tanto que eu gosto de um tempo para estar, para ler, para contemplar ou fotografar e mal consigo tê-lo. 

Este domingo, apesar do tempo dedicado à visita aos mais velhos, consegui ir até ao campo, ao meu porto de abrigo, ao meu destino. Poucas horas, uma pena. Tanto, tanto que eu gosto de lá estar e tão pouco tempo para isso. 

Os muros e as paredes exteriores estão cobertos de um verde que escorre e eu olho a luz que torna douradas essas marcas do tempo e penso que não sei se quero pintá-los de imaculado branco.

Os verdes estão intensos, o musgo do chão, a folhagem, tudo se prepara para renascer com vigor e as árvores e arbustos de folha perene adensam as cores, a vitalidade do seu corpo.




As ramagens que o frio alourou brilham à luz dourada da tarde. Ao fundo, depois do vale, levanta-se um monte que tem por trás outro monte e outro e ao fundo uma serra que quase se confunde com o horizonte, e são estes montes à minha volta que me aconchegam como mantas macias e familiares.

O alecrim já começou a florir. Os caminhos estão perfumados: é a caruma que os cobre, é a folhagem do grande eucalipto que se balança ao vento, são os pinheiros que se esgueiram em direcção ao céu, é o musgo requintado e macio que tudo cobre, são as moitas altas de alecrim que adornam as margens. E eu, ao caminhar, passo a mão ao de leve pelas flores delicadas e depois aspiro o perfume da minha mão. Pudesse eu tatuar na minha pele estas sensações tão fortes para as ter sempre dentro de mim.

Começam a surgir as abelhas dançando ao sol, deliciando-se com a doçura de flores tão pequenas e perfeitas. São louras e vibrantes, as abelhas, e eu respeito-as. Talvez por isso eu goste tanto de mel, ainda hoje comi queijo com mel de alecrim.




Quando eu caminhava vi que a minha sombra se estendia na caruma que cobria o chão que eu ia percorrendo. A minha sombra precedendo-me. Fotografei. Era eu antes de mim.

Depois pensei: será que este chão e estas flores e estas árvores guardam a memória de mim? Quando eu lá não estou sentirão falta da minha presença silenciosa? Ficará um pouco de mim ou, pelo menos, da minha sombra na caruma que eu piso?

Depois vi que a sombra do pinheiro também se projectava na rocha e também a fotografei. Pensei que se calhar, quando o sol mudar de posição, a pedra fica com saudades da sombra que de vez em quando a vai visitar. Depois lembrei-me que não é o sol que muda de sítio, que o pinheiro é que muda e ainda mais me agradou a ideia. Tenho um pinheiro que passeia à volta do sol e que vai deitar-se sobre uma rocha que se veste de dourado para o receber.




Antes tudo era mato e agora assim ainda é. Respeito a natureza como outros respeitam o seu deus. Mas há recantos que inventei. Olhava o campo virgem, semicerrava os olhos e imaginava um mundo muito meu. Então aí o mato foi desbastado, caminhos foram desenhados e pequenos muros debruam agora esses recantos, lugares que para mim são mágicos. Aí o tempo pára, o silêncio apenas é interrompido pela ténue melodia dos sons do campo, a aragem nas folhas, os pássaros, um cão que ladra muito ao longe. Encostados a esses pequenos muros, que se arredondam à medida da paisagem, há bancos onde a sombra dos pinheiros aconchega a visão e traz um sossego que convida à serenidade. E há pintura transposta para azulejos. O azul do mar, mulheres carregadas de flores, amantes estendidos ao sol. Um mundo muito meu, como disse. 




Quando estava a chegar junto ao telheiro encostado à casa, o sol reflectia-se na parede. Em primeiro plano o tronco ainda sem folhas do diospireiro. Quando o vejo assim temo sempre que não volte a acordar. Se há fruta que eu adore é o dióspiro. Agora há uns que são diferentes dos meus, são mais rijos e menos húmidos mas gosto na mesma, todos os dias como um. Mas os meus são diferentes. Têm uma carne macia que se desfaz em sumo, uma polpa doce como mel.

Mas agora a árvore está seca e reflectia-se na parede, desenhos suaves, arabescos abstractos. Num dos lados da bancada tenho pequenos troncos de pinheiro, do grande pinheiro que há dois anos caíu com a ventania. Não está como estava então, quando estava de pé, mas continua a encantar-me. No chão, um saco enorme ainda está cheio com as suas pinhas. Aqueles pequenos troncos, ainda com as suas pinhas, pequenas esculturas, contra a parede de mosaicos encarnados, brilhando ao sol da tarde, tudo tão tranquilo - sem saber porquê emocionei-me.

E pensei que a vida vale por momentos assim, de felicidade pura, de paz. Deixei-me ficar ali a olhar a parede, o reflexo da pequena árvore, a recordação do meu grande pinheiro, um ramo suspenso do tecto com um pequeno pássaro de madeira, oferta de um familiar que o trouxe do Brasil, a pequena estufa artesanal que o meu pai fez para secar os figos. É preciso muito pouco para que uma pessoa se sinta feliz.




Depois fui para casa, começava a estar frio. A casa, quando está fechada, fecha-se sobre si própria, torna-se fria. Mas, ao fim de algum tempo, as portadas abertas, o sol a bater nos vidros, o aquecimento a funcionar, já se voltava a sentir o calorzinho quente e aconchegante que me faz querer ficar aqui dias a fio.

Apetecia-me ler e fui ver o que poderia ser. As estantes que estão embutidas na parede estavam geladas e os livros cheiravam a frio. Procurei então nas prateleiras que cobrem uma das paredes.

Aqui estão os livros que vieram para ler no carro, para ler nas férias, os que ainda estão a meio, e que por aqui foram ficando.




Tirei A Submissa de Dostoiévski e pus-me a ler. Depois interrompi e deixei-me estar a ver a tarde a cair lá fora, o sol a perder o dourado, o dia quase a acabar. Fomos, então, apanhar laranjas e foi aquela sensação sempre de alguma tristeza de fechar a porta, depois fechar o portão.

A semana recomeça e a cidade vai ocupar de novo os meus dias. E o campo cheiroso, o alecrim delicado, as paredes que se enchem com o sol dourado e que acolhem a alma das árvores e o meu coração voltam a ficar para depois. Talvez também com saudades de mim.

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Não é que venha especialmente a propósito mas não quero deixar de aqui felicitar o jovem bailarino Miguel Pinheiro. Tem apenas 17 anos mas tem um grande talento e vai, certamente, ter uma vida cheia de momentos felizes.

Miguel Pinheiro - Vencedor na categoria Dança Contemporânea do 2015 Prix de Lausanne



Desde Otello - Claudio Monteverdi - Goyo Montero

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Lá em cima a maravilhosa música era Toumani e o filho Sidiki Diabaté interpretando "Lampedusa" e eu nem tenho como agradecer ao Leitor que me deu a conhecer este som da natureza e dos deuses.


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Permitam que relembre que no post a seguir falo de amor, de rosas para festejar o amor, de palavras para dizer o amor. E mostro um beijo muito especial. 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma semana feliz a começar já por esta segunda-feira.

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5 comentários:

  1. Não sei em porquê, mas esta paisagem e outras anteriores que publicou também parecem-me do Parque Natural de Sintra, ou região de Sintra. Será? Se sim, de que bandas?
    P.Rufino

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  2. https://www.youtube.com/watch?v=R5gmVfNwc5E

    GG

    :)

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  3. Parabéns ao Miguel Pinheiro e à professora Constança Couto.

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  4. POIS EU PENSO...Cada folha que uma árvore,solta no chão,é para nos lembrar os dias ausentes...NÃO É GRAVE MAS CONVÉM,não esquecer a sua "MENSAGEM"...Estou ficando á espera do TEU regresso.!

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