domingo, janeiro 08, 2012

Que palavras posso eu usar para vos contar o que sinto quando estou aqui in heaven?

 
Depois de nas últimas semanas não ter conseguido sair da cidade, eis que, finalmente, estou in heaven. Pouco mais de vinte e quatro horas vou poder cá estar mas, enquanto estou, cada minuto é vivido com prazer redobrado.

Chegámos já ao princípio da tarde.

No campo ao lado faziam uma fogueira, queimavam mato. Juntamente com o cheiro das árvores e arbustos, havia, pois, aquele cheiro a fumo ao longe que não me desagrada.

Aqui, à porta de casa, havia algumas laranjas no chão e muitas nas laranjeiras, e havia um sol suave que dourava estes frutos reluzentes, e havia sombras nos muros, e flores pequenas que começam a antecipar a primavera. Pelos recantos que inventei, rente às árvores que plantei, junto ao mato que aqui nasce livremente, andei deleitada - esta é a minha terra, estes são os meus caminhos.

E, deslumbrada como se fosse a primeira vez, andei a descobrir motivos para fotografar. Mil vezes os mesmos motivos mas o tempo vai inscrevendo a sua passagem, vai deixando as suas marcas e eu vejo tudo como se estivesse a percorrer um sonho nunca antes vivido. Tudo me parece de uma beleza simples e límpida, intocada, pura.

A casa estava fria, com aquele odor desolado que as casas fechadas sempre têm. Mas, neste momento, algumas horas depois, a casa já tem o calor, as almofadas aconchegadas num canto, a desarrumação, o cheirinho das casas amadas.

Aqui sinto-me eu como em nenhum outro lugar do mundo. Não tenho o azul do largo rio que enche as minhas janelas da cidade, não tenho a praia de mar bravo dos passeios de alguns dias, não tenho o cheiro a maresia nem as gaivotas que às vezes voam até à minha varanda para me fazerem ter ainda mais vontade de voar. Mas tenho o mato selvagem, as árvores que se erguem orgulhosas à medida que o tempo passa (estão a ganhar corpo para acolherem sob a sua copa os meus meninos pequeninos), tenho o canto dos pássaros que aqui vêm fazer ninho, tenho a terra brava prenha de grandes pedras, tenho o ar puro dos grandes espaços, tenho a vista da grande serra que se estende ao longe, imponente e azul.

Não vos quero maçar mostrando-vos cada pequena coisa. Quem muito ama alguma coisa por vezes nem se dá conta que, aos outros, isso pouco diz.

Pudesse eu sair do vosso computador, dar-vos o braço, trazer-vos até aqui, passear convosco e ir dizendo 'aqui é onde Sophia se senta ao pé de mim, confidenciando-me: pudesse eu não ter laços nem limites, ó vida de mil faces transbordantes, p'ra poder responder aos teus convites, suspensos na surpresa dos instantes'; ou convidar-vos a sentarem-se aqui comigo à sombra do grande pinheiro que faz sombras maravilhosas neste muro em que duas figuras aparentemente se ignoram e em que se lê que les plus grands secrets se cachent dans la lumière; ou levar-vos até ali onde Eva, mulher apaixonada, toma para si as palavras de Natália e diz: eis-me sem explicações, crucificada em amor: a boca, o fruto e o sabor: ou simplesmente levar-vos a olhar o azul inocente deste tão grande céu ou, agora que é noite, a olhar as estrelas neste céu tão limpo.

Tomara que vos pudesse ter aqui, ao pé deste fogo tão acolhedor, bebendo um chá quentinho, tomara poder ouvir a vossa voz, ver o vosso olhar, e deixar-vos que percorram estes meus caminhos, que vejam estes recantos nos quais o sol desenha figuras, que descubram porque gosto tanto de estar aqui, nesta terra que me escolheu.


















Tenham, meus Amigos, um belo domingo.

E tentem ser felizes gozando cada breve instante - apesar das circunstâncias
(que, para alguns de vós, eu sei, são pesadas, senão mesmo dolorosas).


10 comentários:

  1. um curto fim de semana mas bem suficiente para um contacto profundo e intenso com as coisas e os sitios queridos, com a natureza e os livros, com o chá reconfortante ao pé do fogo, etc.
    a propósito do chá conhece aquele soneto do correia garção?:
    "O louro chá no bule fumegando
    De Mandarins e Brâmanes cercado
    brilhante açúcar em torrões cortado
    O leite na caneca branquejando
    .................................
    Se vens, ou caia chuva, ou brame o vento,
    Não pode a longa noite enfastiar-nos,
    Antes tudo será contentamento."

    Interessantes fotografias de recantos do lugar

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  2. Caro Patrício,

    Não conhecia o poema e que bem me soube...

    O ambiente é mesmo este - o de nada do que é externo pode toldar este ambiente reconfortante que envolve quem está em harmonia absoluta com o lugar.

    (A diferença é que não uso açúcar, prefiro o chá em estado puro).

    Permita que faça um remix das suas palavras para lhe dizer: Seja sempre muito bem vindo a este lugar dentro da natureza e dos livros, sempre animado pelo fogo das emoções intensas.

    Bom domingo!

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  3. E os belíssimos azulejos são da autoria de?
    Um domingo muito feliz, Jeito Manso!

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  4. Jeitinho, amiga:
    Senti-me em cada canto e recanto. Senti o cheiro a fumo e o calor do fogo, vi as laranjas, os soles pequeninos de Inverno, como eu lhes chamava em miúda. Refastelei-me nas almofadas e bebi chá, com cheiro a laranjas nas mãos.
    Deu por isso? Não, eu sei. Entrei no blogue como um vírus, saí, vi tudo e retirei-me envergonhada por ter entrado sem licença, na sua intimidade. Desculpe mas, não resisti.
    Beijinho
    Maria

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  5. Maria,

    Mas fez muito bem que esta porta está sempre aberta para quem vem por bem. Ter amigos aqui à minha volta, bebermos um chá, darmos uma voltinha agora que o sol está tão brando e as sonbras tão bonitas, é uma boa sensação. Entre e saia, sempre que lhe apeteça.

    Um beijinho.

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  6. Pois é, Pacard, nunca ouviu dizer que cada maluco tem sua mania?

    Eu tenho algumas e esta é uma delas. Se gosto de palavras então escrevo-as ou à mão nos muros ou peço para me escreverem numa azulejaria. Em vez de escreverem 'Vivenda Pipocas' por exemplo, transcrevem um poema de Sophia. Escolho a dimensão, a letra, a cor, etc.


    E o que eu gosto de pintura? Pois, não podendo ter muito daquilo de que gostaria, pedi para, em vez de fazerem um painel a partir da fotografia de uma paisagem, usarem, para exclusivo prazer de quem aqui vem, uma pintura a meu gosto ou minha. Pancadas.

    Um bom domingo para si também e veja mas é se recomeça a blogar...!

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  7. Gostei muito deste texto..dá vontade de lá estar com as crianças pequeninas à descoberta.
    Bjs

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  8. Querida Historinhas,

    As crianças adoram andar pelos recantos, adoram os pequenos muros tão à sua medida. É um sítio muito adequado para descobertas e, logo, para meninos. :))

    Beijinhos!

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  9. Como entendo a sua satisfação agora que me é permitido dedicar mais tempo a estar fora do bulício e da confusão do transito infernal.
    Também eu tenho usufruido deste lindo e tépido sol de Inverno que nos aquece a pele e a alma e ouvindo os passarinhos que cantam nos ramos destas árvores com cheiro a Sintra.
    Que possamos retirar dos prazeres que a natureza nos dá a força e ânimo para irmos vencendo as dificuldades.
    Grande beijinho
    Teresa

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  10. Tal e qual, Teresa-Teté,

    Nem imagina como me deleito. Mil vezes posso ouvir os pássaros, ver as flores a renascerem, ver as sombras, sentir o sol suave, que mil vezes me vou sentir encantada.

    O tempo escasseia mas que bem que eu tento aproveitá-lo.

    Ainda bem que também tem oportunidade de estar num sítio ainda limpo, em contacto com a natureza. É uma benção. Revigora-nos.

    Um beijinho também para si, Teresa-Teté.

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