quarta-feira, dezembro 29, 2010

A crise em Portugal e as compras de Natal, os saldos, o réveillon e Sócrates

Ouvi dizer nos noticiários que nos últimos dias os portugueses têm levantado dinheiro nas máquinas ATM como se não houvesse amanhã.

Ouvi nos noticiários que, nos saldos que agora começaram (fazendo-nos sentir estúpidos por termos pago há dias o dobro do preço do que as coisas valem agora), a procura tem sido uma coisa do além e os produtos de luxo são os que têm mais procura.


Ouvi nos noticiários que os voos para os principais destinos no réveillon estão esgotados. Dinheiro a sair do País.

Ouvi que os hotéis estão repletos especialmente os mais caros; mas, se fossem apenas os hotéis nacionais, menos mal (porque, apesar de os media não falarem noutra coisa, os portugueses ainda não perceberam bem que é hora de poupança e não de consumo – mas, enfim, seria dinheiro a circular cá dentro).

Mas o que me chocou ainda mais foi ouvir uma espanhola de Vigo a dizer que nesta altura – e este ano não é excepção – dois terços dos clientes são portugueses.

Os portugueses vão passar a passagem de ano a Vigo? Mas a propósito de quê? É que não é apenas uma questão de gosto – é mesmo uma questão de racionalidade económica: com que jeito vão os portugueses dar uma ajuda à economia espanhola?


Como é que isto é possível quando se anunciam cortes de ordenados, subida de impostos, cortes no crédito, aumento das taxas de juro e sabendo que o corolário de tudo isto é aumento do desemprego?

Fala-se que o Sócrates:
  • tem o dom da palavra (e tem),
  • fala geralmente nos aspectos positivos, escamoteando os problemas (é um facto: é um optimista, quer transmitir confiança mas, por vezes, para isso, omite o lado negro das coisas)
  • acordou tarde demais para a crise (e é verdade: as medidas que aí vêm, já deviam estar em vigor há muito),
  • é o culpado pela crise (e isso é injusto - porque a crise portuguesa é em parte o contágio da crise internacional, e em parte a consequência de muitos anos de gestão cega e desequilibrada entre os compromissos que se assumiram e o dinheiro para lhes fazer face, e esse facilitismo já vem muito de trás).
Mas o desequilíbrio orçamental não existe apenas no Estado: existe nas empresas, existe nas famílias.

E será justo culpar o Sócrates por isso?

Era (e, pelos vistos, ainda é) uma filosofia de vida, aqui e em todo o mundo dito desenvolvido, que assentava na designada alavancagem financeira. Gastar agora e pagar depois. Recorrer ao crédito e pagar quando se puder. E os juros a acumularem-se e, logo, o valor da dívida a aumentar. E mais crédito. E assim sucessivamente.

Tem sido este o paradigma.

Quanto ao desequilíbrio a nível do Estado, diz-se agora que o Sócrates é mau. Mas não se disse que era mau quando cedeu aos sindicatos, sejam de professores, de juízes, de quadros da função pública, quando não pôs cobro a reformas antecipadas, quando não foi mais rigoroso na atribuição de subsídios para tudo e mais alguma coisa, quando não eliminou tudo o que de redundante existe a nível de institutos, empresas autárquicas, etc, etc, etc. Nessa altura era um razoável primeiro ministro.

Agora que a festa acabou e que (tarde demais), está a fazer o que é suposto fazer, já é mau? É que o problema não são as medidas terríveis que aí vêm: o problema é o que tornou essas medidas imprescindíveis.

Por exemplo, o que os media têm relatado e que acima referi sobre as opções para o fim-de-ano e as compras compulsivas dos portugueses em geral, não revela nada de bom. Mas alguém de bom senso pode dizer que a culpa deste excesso de consumo, desta irresponsabilidade que é continuar-se a consumir desabaladamente (produtos importados), sem acautelar poupanças, é culpa do Sócrates?




Tem culpas no cartório, tem e muitas, mas, sejamos justos: culpemo-lo pelo que é de responsabilidade dele, não pela que é dos outros, pelo que é de nossa própria responsabilidade.
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2 comentários:

  1. em http://instantefatal.blogspot.com/
    os textos de 27Dez e 04Dez apontam outro grande responsável pela situação actual do país.

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  2. Não sei se é o Luiz Carvalho, autor do Instante Fatal mas deduzo que sim.
    Não conhecia o blogue. Estive a vê-lo e gostei bastante, vou passar a seguir. Concordo com o teor dos posts e com o que escreveu ontem. Aliás, também me referi a isso, ao comentar o debate na RTP1 e já me tinha referido à questão do BPN (http://umjeitomanso.blogspot.com/2010/12/legalidade-legitimidade-honorabilidade.html).
    Mas é difícil dizer que os grandes responsáveis são só A ou B pois tem sido toda uma geração de políticos que tem governado sem ambição, sem os pés na terra, sem fazer contas, com facilitismo, populismo.
    Esperemos que 2011 nos traga um qualquer milagre que vire a nossa sorte.

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