terça-feira, setembro 28, 2010

Eu, caçador de momentos


(Caçador no Ginjal)

Trabalho num escritório. Durante o dia estou no meu gabinete, faço os meus cálculos, analiso relatórios, elaboro relatórios, apresento relatórios.

Nada de extraordinariamente empolgante mas, ainda assim, nada de que me queixe. Estou instalado na minha zona de conforto, a rotina produz em mim uma sensação de segurança. Sei o que me espera e o que me espera é algo que sei fazer.

Todos os dias, antes de me ir embora, faço uma pequena lista com os trabalhos do dia seguinte. No entanto, há dias em que, por ter reuniões ou por outro motivo, não o faço. Então, no próprio dia, de manhã, quando estou a ir de carro, elaboro mentalmente a dita lista e, quando chego, depois de beber o meu café, ler as últimas notícias, escrevo numa folhinha essas tarefas. À medida que as vou cumprindo, vou pondo um visto. À tarde, saio com todos os pontos picados e o dever de missão cumprida.

Depois vou para casa, leio o jornal, janto, vejo as notícias, faço o registo dos gastos, vejo o que tenho para pagar, nunca sou apanhado desprevenido pois sou muito organizado, tenho tudo orçamentado, tudo contabilizado. Ultimamente já vejo mal e, para ler e escrever, uso uns óculos para ver ao perto.

Tenho uma vida muito boa. Tenho uma boa família, um bom emprego, um bom ordenado, sou respeitado, tenho bons amigos. Sou um homem realizado, feliz.

Mas às vezes tenho necessidade de sair desta rotina. É bom não se ser escravo do trabalho, ter outros interesses. E eu tenho. De vez em quando, saio para fazer expedições fotográficas e faço-o com o verdadeiro espírito de caçador. Em casa, preparo a máquina, a objectiva, o pano de limpar a lente, o cartão de reserva, como quem prepara a arma e as munições.

Antecipadamente penso nos melhores sítios para ‘caçar’ e isso já é parte do gozo.

Não caço animais mas imagens mas tenho a certeza que o espírito é o mesmo.

De véspera já estou empolgado e, no dia, não penso noutra coisa.

Quando me dirijo ao local, espero pela melhor luz, vou andando devagar à espera que alguma presa se atravesse no meu caminho, a máquina preparada. Tenho que agir furtivamente para não espantar a caça. Ponho-me encostado a uma parede ou sentado num canto de onde ninguém me veja para que eu possa apanhar o alvo em movimento, a agir com naturalidade. Estudo o sítio de onde apanharei o melhor ângulo. Se necessário for, deito-me no chão, imóvel a estudar a melhor forma de atingir o meu objectivo. O silêncio é indispensável e, nesses momentos, a minha respiração anula-se para que toda a concentração esteja à disposição do momento perfeito.

Pode ser um casal de namorados com Lisboa em fundo, uma garrafa em contraluz, pode ser o mar contra os pilares do cais. Disparo com um prazer que não sei descrever; naqueles momentos sou um caçador viciado no prazer da captura, que quer capturar a melhor imagem, sou outro.

Quando finalmente regresso, vou sujo mas feliz, não levo pombos ou coelhos penduradas no cinto mas dezenas ou centenas de imagens que exibo vaidoso quando chego a casa.

No dia seguinte ainda estou feliz, saciado.

E se alguém, sabendo que eu, fotógrafo, sou um caçador de imagens, me pergunta o que é que apanhei, respondo orgulhoso, triunfante, como quem brinca com a ignorância verbal de quem me inquire: “O que é que apanhei…!? Apanhei…apanhei à mão…- e sorrio - ...apanhei uma bicicleta presa a um poste, uma parede grafitada, um pescador, um cacilheiro que se aproxima, a ponte iluminada, um homem a sair a correr do barco para se ir sentar num banco a pensar e a olhar Lisboa’.
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